Como profissional de saúde agradeço as palmas. Sabem bem, confortam o coração. Mas não somos heróis. Somos profissionais. Profissionais dedicados, de mão cheia, empenhados em fazer o nosso melhor, como sempre o fizemos e como é a nossa vocação.

Heróis são as nossas famílias, que levam este tempo de confinamento sem a presença do pai, da mãe, dos filhos, dos irmãos. Heroína é a minha filha, que sendo filha de dois médicos infeciologistas não recebe um beijo nem um abraço há mais de um mês. Heróis são os portugueses que respeitam o isolamento a que foram obrigados. Obrigada a todos, obrigada pelo vosso esforço, pela resiliência e por terem uma imensa consciência da importância de o fazerem. Só assim estamos a conseguir, juntos, aplanar esta curva.

O SNS não tem capacidade para abarcar um aumento exponencial de casos, todos o sabemos. O esforço e o empenho de toda uma nação tem permitido que sejamos, ao dia de hoje, a exceção latina neste drama. Assim queremos continuar. Os hospitais precisam de ajuda e muitos donativos têm ocorrido. O Governo tem sido corajoso e implementou muitas medidas que permitiram reduzir o impacto desta pandemia, sendo a mais importante uma declaração de estado de emergência de forma precoce.

Temos ainda um longo caminho pela frente, e faço um apelo a que a mobilização de todos os sectores continue e que nos permita sobreviver. Fala-se em ventiladores, em unidades de cuidados intensivos. Claro que são essenciais mas se não formos à raiz dos problemas nunca haverá número suficiente. Serão sempre aquém de uma população crescente.

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Temos de evitar novas infeções. Este é o ponto essencial.

Como se evitam novas infecções? É teoricamente simples. Este vírus não pula, não salta e só se transmite em contacto próximo e através de superfícies/objectos contaminados. O distanciamento social e a limpeza das superfícies são a nossa maior arma.

Os hospitais são locais fulcrais: em muitos países o ponto de descontrolo foi a infecção se propagar extraordinariamente dentro dos hospitais, entre profissionais e doentes. Os hospitais têm de ser locais seguros para todos. Aplicar um procedimento de rastreio à entrada de todos os doentes que vão ser internados, independentemente de terem ou não sintomatologia respiratória, é uma prática no meu hospital. Assumidamente acima das recomendações da DGS. Temos tido diversas surpresas, em doentes onde não era sequer imaginável poderem estar infetados. Por exemplo, as mulheres em trabalho de parto (assintomáticas do ponto de vista respiratório) ou doentes politraumatizados. Já decorreram infecções em profissionais, resultantes destes casos, que à partida seriam doentes “normais”. O equipamento básico de protecção tem de ser adaptado a esta nova situação, sob pena de perdermos o controlo. Também estamos a aplicar um rastreio dos profissionais e encontrámos muitos casos assintomáticos que podem transmitir, inadvertidamente, a outros profissionais e aos doentes.

Testar, testar e testar. Identificar e isolar precocemente. Aplicar de forma alargada os equipamentos de protecção individual dos profissionais (e não apenas a áreas COVID). Garantir que todos os doentes internados têm um distanciamento adequado e não se vão infetar com outro doente. Temos de conseguir manter os hospitais como locais seguros para todos. O mesmo se aplica aos lares, onde uma população vulnerável, se encontra.

Também já percebemos que o tempo de cura pode ser mais longo e que em muitos casos o isolamento de 14 dias não é suficiente. Há que garantir que a todos os portugueses infetados com coronavírus em Portugal, e que estão a cumprir o seu isolamento domiciliário, só seja dada autorização para levantar as restrições após testes negativos. Isto não está a ser feito. Esta é a explicação do baixo número de infecções curadas. Pura e simplesmente não são realizados 2 testes de cura. Não há capacidade nem número de testes disponíveis para o efeito. Contudo, podem estas pessoas continuar a propagar a infecção.

Os hospitais precisam também de coisas básicas. Por exemplo, de fatos de circulação (são aquelas peças de camisa e calças azuis ou verdes, que as pessoas reconhecem nos cirurgiões). O número de fatos de circulação necessários aumentou exponencialmente e os hospitais não têm capacidade de os distribuir a todos, como seria conveniente. A roupa utilizada pelos profissionais no decurso dos cuidados não deve ser levada para casa. Constitui um perigo para as famílias dos profissionais e para a comunidade. Usar fatos descartáveis é uma opção mas em termos de impacto ambiental um desastre, com toneladas de lixo produzido. São necessários fatos de circulação, feitos de tecido resistente a à lavagem em elevadas temperaturas. Parece básico, mas não temos. Se alguma empresa têxtil quiser ajudar, o meu hospital está de braços abertos!

Precisamos de limpeza e higienização dos hospitais. Os profissionais responsáveis por isto são fundamentais mas são mal pagos e têm medo de vir trabalhar para os hospitais nesta fase. Como vamos combater este flagelo, se não tivermos uma limpeza adequada das instituições? Devemos almejar a uma limpeza como ocorre em Singapura, um dos países que mais notavelmente está a controlar a epidemia. Temos de reconhecer o papel fulcral destes profissionais e recompensá-los adequadamente. Quando as pessoas pensam num hospital apenas recordam médicos e enfermeiros mas há um sem número de trabalhadores que são fulcrais para o seu bom funcionamento. Os auxiliares de acção médica e os trabalhadores da limpeza são profissionais fundamentais nesta luta. Mas como vamos conseguir recrutar e motivar novos profissionais se a remuneração é tão baixa? A troco de quê vão estas pessoas colocar a sua saúde e dos seus familiares em risco? Terá o governo de pensar em remunerações suplementares para estes profissionais nesta fase? Permitir aos hospitais uma contratação direta poderá também ser uma opção pois, maioritariamente, os hospitais têm contratualizações externas com empresas fornecedoras dos funcionários de limpeza, com contratos e números definidos prévios a esta crise. Será uma opção a enquadrar.

Onde vamos colocar os doentes COVID-19+ que não precisam de estar internados, por não terem gravidade clínica, mas que não são capazes ou não têm possibilidade de um isolamento adequado? Onde estão as respostas da comunidade para estes casos que entopem os hospitais? Precisamos que existam respostas a esse nível sob pena destas pessoas irem para a comunidade e infetarem outros, num processo sequencial.

O desafio é de todos, a pandemia é da nação, todos juntos, em uníssono, seremos capazes de a superar, por isso este meu apelo publico. Em doenças infeciosas não há dúvidas nem magias, as medidas que tomarmos hoje serão as responsáveis pelo estado da pandemia daqui a 15 dias.