A propósito do sínodo sobre a juventude, muito se falou sobre a necessidade da Igreja adaptar o seu discurso aos jovens, sob pena de perder para a fé as novas gerações. São recorrentes os apelos para que a Igreja seja menos exigente e mais de acordo com o que os jovens pensam e fazem. Diz-se que só assim a juventude se poderá sentir protagonista da missão eclesial, que tanta necessidade tem do seu vigor e entusiasmo.
Alguns, mais ousados, até advogam uma maior abertura em relação a certos comportamentos muito comuns entre a gente jovem, mas que não encaixam no rígido espartilho da moral católica. Por exemplo, a Igreja continua a insistir em que o casamento é para toda a vida, ou que tem que estar aberto à geração, ou ainda que não podem ser permitidas as relações sexuais à margem do matrimónio. Claro que, ante uma moralidade tão anacrónica, os jovens não se conseguem rever nos princípios, nem na prática da Igreja católica. Portanto, dizem estes críticos, como não se consegue que os jovens pensem e actuem de acordo com os princípios da fé cristã, mude-se o paradigma da doutrina e da moralidade católica, para assim atrair a juventude.
Na lógica desta intenção, certamente bem-intencionada, há um preconceito recorrente: o de que a Igreja se deve adaptar ao mundo. Um catolicismo mais moderno, mais de acordo com o que é politicamente correcto, mais segundo a opinião veiculada pelos meios de comunicação social, seria – dizem – mais consensual, mais atractivo e, portanto, teria necessariamente mais adeptos.
Ora, a bem dizer, é o contrário que deve acontecer, porque uma Igreja mundana de nada serviria: seria apenas mais uma entidade relativista, de que os jovens seriam as principais vítimas. A partir do momento em que o Estado deixou de educar na verdade – limita-se a transmitir conhecimentos técnicos, mas de forma amoral, sem qualquer intuito de formar homens e mulheres de carácter – e muitas famílias também desistiram de qualquer propósito ético, ou religioso, em relação aos seus mais novos membros, só a Igreja pode fazer a diferença, pela via da formação integral dos jovens cristãos.
A Igreja não tem que ser fiel ao mundo, mas a Cristo. Os jovens não pedem à Igreja modernidade, mas autenticidade. Não esperam um discurso facilitador, mas uma proposta desafiadora. Não querem uma Igreja acomodada ao mundo, ou seja burguesa, mas empenhada na renovação das gentes e das mentalidades e, por isso, redentora. É-se jovem quando se sonha mudar o mundo e está-se disposto a dar a vida por esse ideal.
Mas, se a Igreja for demasiadamente exigente nas suas propostas, não corre o risco de ser incompreendida pela juventude?! Não há o perigo de que muitos jovens, ante um compromisso tão exigente, desistam de uma vida plenamente cristã?
Sim, claro! Foi aliás por isso mesmo que Jesus Cristo fracassou numa sua abordagem pastoral a um jovem rico, como dá conta Marcos, no décimo capítulo do seu evangelho. Tendo um homem novo interpelado o Senhor sobre o que devia fazer para alcançar a vida eterna, Jesus, depois de lhe recordar que deveria, para o efeito, cumprir os dez mandamentos da Lei de Deus, disse-lhe ainda: “Uma coisa te falta: vai, vende quanto tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; depois vem e segue-me. Mas ele, entristecido por esta palavra, retirou-se desgostoso, porque tinha muitos bens” (Mc 10, 22).
Ao pesar daquele jovem rico junta-se a nossa decepção por este fracasso pastoral de Jesus de Nazaré que, tendo diante dele um rapaz com tão boas disposições, o espantou com uma exigência certamente exagerada. Se aquele convite tivesse sido feito de forma mais prudente, prevendo, por exemplo, a entrega de todos os seus bens em doze suaves prestações, talvez Jesus não tivesse perdido aquele promissor apóstolo, que hoje veneraríamos sobre os altares. É verdade que Jesus teve algum cuidado, por exemplo ao dizer que o negócio que lhe propunha era, afinal, uma mera transferência bancária – “vende quando tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu” – mas, mesmo assim, não foi capaz de reter alguém que, com mais jeitinho, poderia ter sido conquistado para o reino de Deus. Que Jesus Cristo me perdoe, mas aqui houve, pela certa, pouca perspicácia pastoral porque, se a conversa tivesse sido conduzida de outra forma, não só o Mestre teria tido mais um discípulo, como também os seus avultados bens poderiam ter ajudado a subsidiar as necessidades materiais da Igreja primitiva.
Não é este o único fracasso pastoral de Jesus de Nazaré. São João dá conta de um outro episódio ainda mais desastroso, porque implicou a deserção de muitos dos seus seguidores. Com efeito, depois do anúncio da Eucaristia, “muitos dos seus discípulos tornaram atrás e já não andavam com ele” (Jo 6, 66 – curioso que o número da besta seja, precisamente, o deste versículo joanino: 666!). Que fez o Mestre ante aquela debandada geral? Fez algum esforço por os reter? Foi atrás deles, para de novo os chamar?! Rectificou a sua mensagem, para a tornar mais acessível aos homens do seu tempo?! Não, nada disso! Pelo contrário, perguntou aos seus apóstolos: “Quereis vós também retirar-vos?” (Jo 6, 67). Felizmente, os doze permaneceram com ele, mas não seria de estranhar que também eles o tivessem deixado …
De facto, JC não era o melhor gestor de recursos humanos, nem teria sabido gerir uma agência de publicidade. A sua desastrosa pastoral explica, certamente, a sua solidão e, até, a sua morte na cruz, bem como, dois mil anos depois, o fracasso da pastoral eclesial, nomeadamente com os jovens.
Sim, é verdade que Jesus poderia ter conquistado o jovem rico, que escusadamente escandalizou com uma tão radical proposta vocacional. Se tivesse atenuado os termos usados no sermão de Cafarnaum, aquelas multidões que então dele se afastaram, talvez lhe tivessem permanecido fiéis. Se não tivesse escorraçado os vendilhões do templo à chicotada, se tivesse sido conivente com o Sinédrio, se tivesse condescendido com Herodes, talvez tivesse morrido de velho, em Jerusalém, em vez de crucificado entre dois ladrões!
A Igreja católica, se alterasse o seu discurso, talvez conseguisse encher os seus templos de pessoas tristes e desgostosas, como o rico egoísta, ou de multidões medíocres, como a que desertou em Cafarnaum. Mas, se o fizesse, nenhum jovem digno desse nome se sentiria atraído pelo Evangelho, que é a mais apaixonante promessa de amor feita alguma vez aos homens!