Será que é desta que o Ocidente cai, com o alargamento dos BRICS de 5 para 11? Este agrupamento formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China reúne-se em cimeiras anuais desde 2009. Só se alargou uma vez, em 2011, com a incorporação da África do Sul. Deste vez foram convidados a aderir mais 7 países. A Indonésia, porém, recusou, para já, aderir ao bloco. E na Argentina dois sérios candidatos nas eleições presidenciais de Outubro manifestaram, para já, a sua oposição. Certo será o alargamento à: Arábia Saudita, Egipto, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irão. Isto vai levar a uma política global mais multilateral e mais justa como parece acreditar Lula? Vai significar um mundo menos imperialista como afirmam os comunistas portugueses? Significará o iminente colapso do G7? Não me parece.
Um conceito importado do Norte
O conceito surgiu, ironicamente, como tanta outra coisa de grande utilidade para as potências emergentes do Sul Global, no coração capitalista do Norte Global. A sigla BRICs foi cunhada, em 2001, na Goldman Sachs, onde o economista Jim O’Neill a usou para identificar um grupo de economias emergentes como destino interessante de investimento. Segundo O’Neill não foi das suas melhores previsões: a trajetória destes países tem sido muito diferente, e só a China concretizou plenamente o seu potencial: hoje representa quase 20% do PIB global, o Brasil mal ultrapassa os 2%.
Eu continuo a considerar que o potencial está lá. O que escasseiam são alternativas concretas e positivas. Os BRICS não são uma aliança de defesa mútua como a NATO: seria difícil, visto que China e Índia têm recorrentes conflitos fronteiriços. Os BRICS também não são um mercado integrado como a UE: as economias são muito diferentes e tendem para o nacionalismo protecionista.
Os BRICS têm sido, sobretudo, diplomacia de cimeiras e uma oportunidade para os seus líderes brilharem no palco internacional e exigirem que, pela primeira vez na história, lhes seja dado, gratuita e voluntariamente, mais poder no palco global. É duvidoso que o aumento das relações comerciais entre os seus membros deva muito a esta iniciativa. A exceção que confirma a regra é o Novo Banco de Desenvolvimento, significativamente sedeado na capital financeira da China, em Xangai. Mas mesmo o NBD, até ver, está muito limitado pelo facto de vários destes países não terem abundância de capital em dólares. A Arábia Saudita e os Emiratos poderão ajudar, mas não uma Argentina novamente à beira da hiperinflação ou uma Etiópia a sair da guerra civil. E veremos se avança rapidamente e com sucesso a ideia, tentadora mas de concretização muito difícil, de construir uma alternativa ao dólar.
Relevantes se forem uma real soma
Somados, os BRICS a 11 representam mais de 40% da população mundial face a 10% dos G7. Os defensores do BRICS preferem fazer as contas ao PIB em paridade de poder de conta, em que os 11 já somam 37% do PIB global, face aos G7 (sem toda a UE), que andam em torno dos 29%. Mas isso não faz muito sentido em termos de efetiva capacidade de mobilização de recursos e sua projeção a nível global. Aí o que impressiona é a resiliência do poderio económico dos G7, em particular dos EUA, que somado ao do resto da UE ultrapassam ainda os 50% do PIB global face a menos de 30% destes BRICS alargados. Em termos de poder militar não faz sentido, para já, somar países como a Índia e a China ou a Arábia Saudita e o Irão. Mas mesmo que o fizéssemos, os EUA sozinhos, sem contar com os outros aliados do G7 e da NATO, investem tanto em defesa como os 14 países seguintes, que incluem a China, a Índia, o Brasil, Arábia Saudita, etc.
Ou seja, os BRICS podem vir a ser um conjunto significativo, mas, para já, estão longe de serem um polo relativamente coeso de poder como os G7. O Norte Global tem a opção de continuar a ser relevante no palco global, se continuar comprometido com um conjunto de instituições como a NATO e a União Europeia, muito mais eficazes do que os BRICS. A ameaça de colapso do Ocidente não vem dos BRICS, mas de divisões internas resultantes de populistas identitários, de extremistas de esquerda e de direita, por exemplo de um Trump que se diz grande defensor do Ocidente mas quer acabar com a NATO.
O grande desafio para os BRICS também é o da coesão. A única convergência fácil é nas críticas – algumas justificadas – aos EUA e ao Norte Global. Mas mesmo aí a Índia não tem a mesma posição da China, e é duvidoso que Egipto ou a Argentina queiram cortar pontes com os EUA e a UE. Não é preciso ser um grande cético quanto aos BRICS para pensar que com mais membros terão, provavelmente, mais dificuldade em chegar a grandes acordos.
E o anti-imperialismo?
Não questiono a legitimidade de estes países fazerem as opções de aliança que entenderem. Noto é uma primeira contradição no facto de vários BRICS o fazerem relativamente à liberdade de países europeus aderirem ou não à NATO. E também não deveriam pregar o seu direito ao pragmatismo externo, e depois parecerem exigir dos EUA ou da UE uma espécie de dever de cooperação com países declaradamente hostis. A resposta ocidental deve passar por um assumido pragmatismo na gestão das relações, nomeadamente económicas, com estes países. A cooperação e a ajuda ao desenvolvimento deve focar-se em parceiros alinhados com os valores e interesses ocidentais, onde pode ser mais eficaz.
Nestes BRICS alargados parece haver duas alternativas. Ou um bloco mais coeso liderado pela China, que sozinha representa mais de metade do PIB dos BRICS. Ou seja, um reforço da dinâmica bipolar de uma Segunda Guerra Fria que muitos destes países dizem rejeitar. Ou não será um bloco, mas um agrupamento desalinhado, incapaz de iniciativas relevantes, mas com alguma capacidade de perturbação e bloqueio.
Termino apontando uma última contradição na postura dos BRICS. As suas declarações abundam na retórica de inclusão, do combate às injustiças. Mas continuam a ser um clube exclusivo para países grandes em população, território ou riqueza, que exclui a maioria dos estados do Sul Global. Por isso, e não só, os BRICS não contribuirão para um mundo mais multilateral, mais justo ou democrático. Pelo contrário, são cada vez mais os regimes autoritários, teocráticos e cleptocráticos no seio dos BRICS. Para os BRICS é sacrossanto o princípio da não-interferência e do respeito pelos interesses dos seus membros. Isso significa na prática um mundo cada vez mais seguro para todo o tipo de ditaduras violentas e expansionistas, como é o caso da Rússia abertamente imperialista de Putin.