Não é novidade que as pessoas estão a viver mais e a reproduzir-se menos, com exceção da África sub-sariana, e que a tendência vai continuar e agravar-se. Também se sabe que viver mais não significa viver com saúde os anos acrescidos, neste caso Portugal conhece bem o problema e está atrás dos seus parceiros europeus.
Cerca de 2060, segundo estimativas da CARES (consórcio apoiado pelo European Institute of Innovation and Technology – EIT Health), 155 milhões de europeus, 30% da população terá 65 ou mais anos. David Bloom, um dos mais reputados demógrafos da atualidade, publicou no Expresso do passado dia 8 de Fevereiro o artigo “Somar anos à vida, acrescentar vida aos anos”, onde refere que 700 milhões de pessoas têm mais de 65 anos e que até 2050 haverá mais mil milhões nesse grupo etário. Em Portugal, segundo dados do INE, e num cenário de recuo da população para 7,5 milhões e de aumento dos idosos para 2,8 milhões, estima-se que até 2080 os portugueses com mais de 65 sejam quase 40% da população.
Os números são avassaladores e têm impacto em todas as áreas da sociedade, da economia, à saúde, do lazer à sustentabilidade do sistema de pensões, basta dizer que a população ativa passará de 6,7 para 3,8 milhões, o que significa que o índice de sustentabilidade passará de 315 para 137 pessoas em idade ativa por cada 100 idosos.
Mesmo que o otimismo nos permitia pensar que a imigração se encarregará de dissipar as nuvens mais negras, é impensável que o país e o mundo não venham a ter de lidar com um problema novo, nunca antes experimentado, que é haver milhões de pessoas com limitações severas de autonomia que necessitam de quem as cuide, sejam familiares, sejam profissionais exercendo nos domicílios ou em instituições especializadas.
Estes terão de ser profissionais de um tipo novo — cuidadores pessoais e assistentes pessoais, que começam agora a ser formados numa perspetiva de especialização avançada e que tradicionalmente têm sido visto como auxiliares de outros profissionais, detentores de formação básica, com remunerações próximas do salário mínimo e sem quaisquer aliciantes de carreira.
De uma forma simples “um(a) cuidador(a) é alguém que ajuda outrem nas suas atividades de vida diária”, tal como um assistente pessoal, estes muito ligados conceptualmente ao Movimento Vida Independente, mas cuja formação de base é sensivelmente a mesma apenas diferindo na atenção ao cliente/usuário, no primeiro caso o cuidador lidera a relação de ajuda, no segundo o cliente/usuário é o líder da equipa de cuidados.
A filosofia do Movimento Vida Independente começou no ano passado a ser implementada em Portugal segundo o Modelo de Apoio à Vida Independente (MAVI), plasmado no DL 129/2017, de 9/10/2017, e que se concretiza através dos Centros de Apoio à Vida Independente (CAVI), no âmbito de um projeto piloto a três anos e que se espera venha a constituir um passo irreversível no apoio especializado a pessoas com limitações de autonomia, seja de caráter físico ou psíquico, que assim passam a beneficiar de apoios nas suas atividades de vida diária que podem incluir as mais diversas situações, desde o auxílio na alimentação ou higiene até às compras e ao lazer.
A formação destes novos profissionais exige um olhar inovador e multidisciplinar sobre os planos curriculares das formações pois está-se perante funções charneira entre profissionais tão diferenciados como enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, médicos e outros. No entanto, os cuidadores/assistentes pessoais são os que estão sempre presentes, cada um dos outros tem uma intervenção específica, mas aqueles são os “guardiões permanentes” das pessoas de quem cuidam.
Em Portugal não existem oficialmente cuidadores, a profissão não consta dos documentos oficiais nem das estatísticas e os profissionais que exercem estas funções encontram-se distribuídos por outras carreiras e muitos nem sequer têm consciência identitária das funções que exercem. Para tornar o quadro ainda mais incoerente há muitas instituições onde estes profissionais coabitam com assistentes operacionais e as tarefas rodam por todos como se não se estivesse perante perfis diferenciados, o que não contribui para a consciência profissional, nem estimula o compromisso formativo.
Os assistentes pessoais existem na legislação, mas não constituem uma profissão estruturada nem têm perspetivas de carreira, tanto mais que o MAVI e os CAVI são soluções piloto cujo futuro é completamente incerto para além do limite temporal do projeto em curso.
Se cada um se interrogar sobre o seu próprio futuro quando pela idade ou por um qualquer azar da vida ficar temporária ou permanentemente privado ou limitado na sua autonomia certamente desejará ser cuidado por alguém com uma formação que abarque o leque de conhecimentos, atitudes e práticas que se julgam fundamentais para uma abordagem holística no exercício da atividade de cuidador pessoal/assistente pessoal.
As notícias que recorrentemente vêm a público sobre maus tratos a idosos nas suas residências ou em instituições têm muito a ver com a insuficiente formação e a desmotivação dos profissionais, a falta de enquadramento adequado, as baixíssimas remunerações que auferem e, de uma forma geral, o desrespeito pelos idosos e o idadismo, a discriminação que tem vindo a crescer, de que são vítimas os cidadãos não ativos, com limitações e carentes de ajuda não apenas para as mazelas do corpo mas, sobretudo, para uma vivência afetiva indspensável e para manterem um projeto de vida até ao fim dos dias, que pode apenas passar por regar uma planta, dar de comer a um animal de companhia ou, simplesmente, olhar para a paisagem e descobrir as cores das estações.
Estamos, pois, perante uma nova geração de profissionais com um mercado potencial imenso e com uma missão da maior importância, charneira numa equipa de cuidados diversificados e multidisciplinares com interações com a saúde, o serviço social, a animação, a intervenção na comunidade, entre outras.
É urgente que se pense em estruturar esta nova profissão, cuja importância futura será enorme, com a certeza de que se está a preencher um vazio que já hoje constitui um handicap no apoio a quem necessita, olhando para estes profissionais com a dignidade e a justiça social que se exige planeando formações, carreiras e remunerações aliciantes que a todos garantam que quando necessitarem terão excelentes profissionais a cuidá-los.
Fundador e Presidente da Caregivers Portugal – Associação Portuguesa de Cuidadores caregiversportugal.apc@gmail.com