É cada vez mais difícil estar actualizado relativamente à lista de novos movimentos políticos criados com o propósito de unir a extrema-esquerda. De facto, uma das consequências da cada vez mais notória desagregação do Bloco de Esquerda tem sido a saída de várias das principais figuras associadas ao partido que, em vários casos, anunciam ao mesmo tempo a intenção de criar novos movimentos políticos. Passe a ironia de observar pessoas que acabam de sair de um partido anunciar a sua intenção de contribuir para a união do espaço político em que esse partido se insere, a crise do Bloco de Esquerda evidencia vários fenómenos interessantes sobre o estado actual da extrema-esquerda em Portugal.
A um nível mais geral, parte dos problemas do Bloco de Esquerda poderá ser explicada com o esgotamento das principais causas fracturantes. Nesse domínio, as sucessivas vitórias conseguidas nos últimos anos pela extrema-esquerda (e para as quais o activismo dos bloquistas muito contribuiu) acabaram por simultaneamente esgotar muito do capital de mobilização político de que o BE beneficiava. O aparecimento do PAN piorou ainda mais a situação para o BE nesta vertente. Mas isso não explica tudo. A nível económico, social e cultural, a conjuntura pareceria ser francamente favorável ao BE. Portugal é, afinal, um país confrontado com uma grave crise e em que parte substancial das classes médias urbanas continua adepta do estatismo. Acresce que a extrema-esquerda continua a usufruir de um peso e influência desproporcionais tanto na comunicação social como na generalidade dos meios académicos e culturais. Assim sendo, é preciso encontrar outras explicações para o declínio do BE. Os dois principais factores que podem ser identificados ao longo dos últimos meses são a desmedida ambição pessoal de algumas das principais (ex-)figuras do partido e uma profunda crise de liderança que se instalou desde a saída de Francisco Louçã.
De entre os tendencialmente incontáveis novos movimentos para a união da extrema-esquerda, o mais bem sucedido até agora foi o partido de Rui Tavares, que conseguiu obter mais de 2% dos votos nas últimas eleições europeias. Pode não parecer muito – até porque não foi suficiente para manter o lugar de Rui Tavares no Parlamento Europeu –, mas trata-se de uma votação significativa para um partido que se apresentou pela primeira vez a votos. Transpondo a votação para as eleições legislativas (uma possibilidade cuja verificação comporta no entanto um elevado grau de incerteza), o partido de Rui Tavares conseguiria ter representação parlamentar. O LIVRE (pelo que me explicaram pessoas ligadas ao partido de Rui Tavares, é suposto ser mesmo assim: tudo em maiúsculas) parece ser uma espécie de BE definitivamente depurado do Povo, elemento com o qual a maioria das elites bloquistas nunca conviveram bem. Não por acaso, o apoio mais mediático ao partido de Rui Tavares veio do comediante Ricardo Araújo Pereira, tendo ficado também claro na campanha para as eleições europeias que o LIVRE reunia mais simpatias na comunicação social do que o actual BE. A distribuição de votos nas eleições europeias confirma também este perfil, com, por exemplo o partido de Rui Tavares a ficar à frente do BE no concelho de Lisboa.
Mas há várias outras figuras que se têm afastado do BE. Joana Amaral Dias iniciou há bastante tempo um movimento de aproximação ao PS. Daniel Oliveira, face à não satisfação das suas ambições pessoais, tem assumido, nas várias plataformas mediáticas à sua disposição, o papel de principal crítico do BE no espaço da extrema-esquerda (também ele em nome da “união”, naturalmente). Por sua vez Ana Drago, passou em tempo recorde de membro da direcção do BE a ex-militante (vale a pena ler o relato, com conhecimento de causa, de Miguel Madeira ). Já o Movimento Alternativo Socialista, liderado por Gil Garcia (que era de há longa data a oposição interna no BE), parece ser ideologicamente mais consistente, mas poucas hipóteses terá sem a simpatia mediática de que os bloquistas beneficiaram ao longo dos anos.
A verdade é que o declínio e as saídas do BE apontam para uma profunda crise de liderança no partido. Ironicamente – para um partido que enfatiza os colectivos e as virtudes da “democracia participativa” – a unidade de todo o projecto político dependia de uma única figura: Francisco Louçã.
Por muito que isso custe à auto-imagem dos visados, todas as figuras dissidentes estão muitos furos abaixo das qualidades intelectuais e de liderança de Francisco Louçã. Sou insuspeito de simpatizar com as ideias de Louçã, mas nenhum analista sério pode ignorar que enquanto foi líder manteve a união entre as várias facções internas com notável sucesso. Era a liderança de Louçã que funcionava como travão aos efeitos das desmedidas ambições pessoais de outras figuras do partido. Sem Louçã e sem substituto à altura, o futuro do BE não se afigura fácil.
Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa