A fim de exibir a radical ignorância dos americanos (mas não, curiosamente, dos franceses, dos vietnamitas ou dos líbios), é costume dizer-se que estes não identificam os outros países no mapa. Pelos vistos, resmas de portugueses são incapazes de identificar o próprio: nas respectivas provas de aferição, quase metade dos nossos catraios de 10 e 11 anos olham para um mapa da Europa e não reconhecem a próspera e orgulhosa nação em que vivem (94% dos americanos em idade escolar reconhecem a deles, decerto ajudados pela dimensão da dita). Aliás, a maioria também não chega a distinguir a Europa da Ásia, África ou América. Suspeito que nem sequer imaginam a existência de continentes, excepto daqueles em que os pais fazem as compras.

E não é tudo. Segundo o responsável por um Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), cuja falta se sentia, o problema com a Geografia é, cito, “transversal”. Ou seja, os alunos caseiros não discriminam nada e são igualmente péssimos nas demais disciplinas. Na Matemática, por exemplo, “revelam grandes dificuldades com o conceito da divisão” (presumo que nos “conceitos” restantes sejam uns Newtons). Na língua, a de Camões e do dr. Costa, a chatice prende-se com “a interpretação de textos e a capacidade de os redigir corretamente” – leia-se (quando possível) só não sabem ler e escrever.

À superfície, a coisa não é grave. É verdade que as crianças nacionais não têm grande tendência para os livros, as teorias, a abstracção, a compreensão, a análise, o palavreado, os números e aquelas gerais minudências que dantes separavam os humanos do orangotango médio. Porém, talvez se destaquem nas aptidões físicas. É isso. Ao invés de produzir choninhas, fabricamos resmas de grandes atletas, candidatos a jantaradas presidenciais entre coches e a levar enxertos de porrada em Alcochete. É assim, não é? Não é? Não? Não.

Desgraçadamente, e para maior escândalo, as provas de aferição “desportivas” (digamos) concluíram que boa parte dos fedelhos não sabe saltar à corda ou executar uma simples cambalhota. Em linguagem técnica (regresso ao IAVE, e com imenso prazer), “sendo a execução correta da cambalhota o resultado de um processo formal de ensino-aprendizagem, pode inferir-se que a cambalhota à frente poderá ser objeto de maior atenção em sala de aula”. Sábias e belas palavras, demonstrativas de que, além de burras como portas, as crianças portuguesas dispõem da agilidade de uma. É o aumento desta multidão de génios que o dr. Rio pretende forçar o contribuinte a patrocinar, a dez mil euros cada? Parece um investimento infalível. Infalível e urgente.

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Não vale a pena discorrer acerca do que nos trouxe a tal situação: até um leigo em cambalhotas suspeita que não poderia haver uma geração de emplastros sem inúmeras gerações de emplastros a precedê-la. Embora versado em “digitar” gatafunhos no telemóvel e queixar-se de “bullying”, o Gonçalinho é essencialmente inútil porque os pais, os professores, os políticos e as políticas o tornaram inútil. Décadas e décadas de mimo, “expressão”, “criatividade”, “afectos”, “sensibilidade” e péssimo senso tinham de acabar mal. Aqui chegados, o importante não é perceber de onde o Gonçalinho vem, mas para onde vai.

Antes de mais, não promete ir longe. Numa primeira fase, o Gonçalinho irá para o liceu e para o “ensino superior” (desculpem), especializar-se no Instagram, participar em Reuniões Gerais de Alunos e protestar contra os exames e os baixos salários dos docentes (mas não, naturalmente, contra o facto de a escola não ter conseguido enfiar-lhe duas ideias na cabeça). Depois, irá à vida, profissionalmente limitada pelas “competências”, “valências” e “salamancas” que garantem a perene infantilidade dos cérebros infantis. Com jeito, e não é preciso muito, o Gonçalinho amanhará uma carreira nos partidos que cuidam da educação pátria, ou nos sindicatos que a aperfeiçoam. Sem jeito, ficará entre a audiência indistinta, a pagar impostos e a aplaudir de boca aberta os estadistas que o tramaram. Convém imaginar o Gonçalinho feliz.

Certo é que as ameaças do futuro não passam pelas “alterações climáticas” ou unicórnios do género. Como as ameaças do passado, passam pela estupidez: em vez da preocupação em deixar aos filhos um mundo melhor, as pessoas deviam deixar filhos melhores ao mundo.

Notas de rodapé

1. Um jogo de futebol entre as selecções israelita e argentina foi anulado após ameaças de morte ao futebolista Lionel Messi e respectiva família. As ameaças, ao que consta, partiram do BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), uma agremiação recreativa dedicada à erradicação de Israel, liderada por notabilíssimos intelectuais e já proposta para o Nobel da Paz. Está tudo normal. Por favor, regressem às vossas vidas. Não há aqui nada para ver. Etc.

2. Ao entregar a um ilusionista a campanha do novo “Simplex”, o governo por uma vez assume a natureza fraudulenta que define a sua relação com os cidadãos. Sob os truques e a fancaria, restam uns sujeitos de aspecto desagradável a quem ninguém confiaria a guarda de uns chinelos na praia. Os portugueses confiaram-lhes um país? Pura magia.