O termo contracultura terá sido cunhado por Theodore Roszak, em 1969, com a publicação de The Making of a Counter Culture: Reflections on the Technocratic Society and Its Youthful Opposition. Roszak procurou compreender e representar o que viríamos a designar como a contracultura dos anos 60: um movimento jovem e estudantil, que nasce no contexto de contestação à Guerra no Vietname e se integra na luta pelos direitos civis que marcava a sociedade norte-americana nesse período. A designação contracultura pretende simbolizar a recusa do mundo das gerações mais velhas e a invocação de uma certa disposição antiburguesa, entre valores de pacifismo e amor livre, música de intervenção e dispositivos estupefacientes. Esta postura de rebelião contra os pais e as figuras de autoridade – naquilo que hoje reconhecemos como o processo normal de afirmação de identidade dos jovens e adolescentes – expandir-se-á para a Europa e ficará simbolicamente ligada às imagens do maio de 68 em França.

Embora o seu uso se tenha proliferado, a palavra contracultura remeterá sempre para esta vivência específica dos anos 60 e 70 do século XX, permitindo-nos identificar a sua especificidade: a contracultura manifesta-se explicitamente no espaço público, com uma imagética, um código de vestuário e uma afirmação pública que pretendem evidenciar um espírito de orgulhosa singularidade. E as décadas seguintes foram incorporando algumas das suas reivindicações, em especial um esvaziamento do sentido de autoridade e hierarquia social e um espírito igualitário, que se coadunaram bem com o discurso que se tornou dominante na segunda metade do século.

Esse discurso hegemónico resulta da confluência de várias correntes, mas podemos dizer que nasce da ordem liberal internacional imaginada por Franklin Roosevelt na fase final da segunda guerra. Assentando nos valores de igualdade, liberdade, emancipação e paz, traduz-se, politicamente, num movimento de globalização que pretende derrubar todas as fronteiras, sejam elas económicas ou humanas. E à medida que esta visão foi afirmando a sua hegemonia, a possibilidade de exprimir ideias e valores que a colocassem em causa foi diminuindo – pelo que palavras como identidade, nação ou fronteiras, mal eram pronunciadas, geravam rapidamente reações de repulsa e silenciamento.

A consequência desta lógica opressiva, que todos os discursos hegemónicos despertam, deu origem a uma consequência natural: todos aqueles que duvidavam dos valores desta nova ordem global aprenderam a não expressar as suas vozes em público e a reprimir as suas ideias. Foi o que aconteceu com os que perfilhavam valores verdadeiramente fascistas, mas também com todos aqueles que acreditavam na ideia de identidade cultural, no valor da nação e na importância das fronteiras, fantasiosamente designados como fascistas pelos guardiães da narrativa oficial, e que foram remetidos para as margens do espaço público.

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Contudo, dois fatores modificaram este estado de coisas. Por um lado, estas margens foram engrossando, nas últimas duas décadas, com os designados perdedores económicos da globalização, os que iam sentindo as consequências da imigração em massa e os que reclamavam uma atuação estatal mais comprometida com o interesse nacional. Por outro lado, o mundo digital transformou radicalmente a dinâmica das margens: ao possibilitar a existência de fóruns, grupos de conversação e redes sociais, onde prevalecia a partilha livre de ideias, o mundo digital permitiu que aqueles que se sentiam impedidos de expressar as suas preocupações no espaço público, ou que não se sentiam ouvidos, encontrassem um espaço de partilha e consolidação das suas ideias.

De facto, a grande rede global ofereceu aos colocados nas margens, e aos que se iam aproximando delas, um modo de se organizarem enquanto comunidade, isto é, enquanto grupo que tem uma visão do mundo próxima e que partilha o mesmo tipo de preocupações. Nessas comunidades virtuais, experienciavam a liberdade de expressar a sua opinião sem que os guardiães da cidade lhes dissessem que estão errados, que aquilo que sentem não podem sentir e que as suas preocupações são infundadas. Este sentimento comunitário produz efeitos muito fortes naqueles que se consideram excluídos do espaço público, que passam a sentir uma cumplicidade e confiança maiores com quem partilha o mesmo sentimento de exclusão e uma propensão cada vez mais forte para acreditar em narrativas que dão sentido às suas intuições.

O mundo digital possibilitou, assim, o nascimento de uma subcultura política. E utilizamos aqui o termo subcultura porque, ao contrário da contracultura, este movimento afirmou-se, por necessidade, de modo discreto, vivendo nas sombras da internet e estando subrepresentado ou ausente do espaço público.

Foi o que aconteceu na sociedade norte-americana, que assistiu na última década a um crescimento incompreendido de setores políticos radicais, que se posicionam à direita do espectro político. Aproveitando os nichos de liberdade de expressão do mundo digital, onde todas as ideias, das mais conspirativas às mais politicamente incorretas, podiam ganhar expressão, estes setores foram crescendo sem que políticos, jornalistas e académicos, fechados nas suas próprias bolhas sociais, se apercebessem. É esta singularidade da subcultura que justifica o facto de muitos terem demorado a compreender o apoio crescente a Donald Trump durante o processo das primárias republicanas, e constitui também uma das razões para que as sondagens tenham falhado e conduzido a uma surpresa quase generalizada pela sua eleição. Quando os atores políticos notaram, esta subcultura já tinha saído das margens e escolhido um presidente que lhes garantia a possibilidade de expressarem o seu descontentamento e o seu ressentimento.

Em boa verdade, parte do apoio que uma figura como Trump conseguiu em muitos países ocidentais prendeu-se com o facto de muitas pessoas reconhecerem que o espaço público excluía ilegitimamente uma franja crescente da população com preocupações legítimas – e isto independentemente de concordarem com essas posições.

Em sentido contrário, a reação maioritária dos guardiães da cidade não consistiu em reconhecer essa legitimidade, mas em aprofundar o esforço de silenciamento – pressionando agora as empresas digitais para que fiscalizem, persigam e excluam todos os fóruns e vozes que expressem posições inaceitáveis. Ao invés de abrir o espaço democrático, a maioria optou por defender um aperto do cerco a quem pensa de forma diferente.

Mas esta opção constitui uma decisão pouco sábia e pouco democrática. Pouco sábia, porque o fortalecimento do silenciamento produz um efeito contrário ao desejado, reforçando o sentimento de serem politicamente perseguidos e a certeza da verdade das suas posições. Pouco democrática, porque restringe o espaço público e impõe uma visão do mundo como se ela decorresse de um acesso privilegiado à verdade. Não é, portanto, surpreendente que a subcultura esteja, aos poucos, a galgar as margens.