Ao longo dos anos, alguns protagonistas da Sociedade Civil mais independentes (ainda há alguns) têm vindo a procurar analisar as causas dos nossos infortúnios e a apontar princípios e caminhos de saída para sermos uma melhor sociedade. Mas, por vezes, descuram-se os nossos pontos fortes.

A Identidade (e Cultura) Nacional

Uma das melhores coisas que temos enquanto sociedade é a nossa Identidade Nacional, isto é, sermos portugueses, seja por nascimento ou por opção plena e convicta de adoção da nacionalidade. E não existirão muitos países, à partida, com uma Identidade Nacional tão clara e integradora, onde a Nação e o Estado tanto se fundam.

Pertencemos ao mundo, e devemos manter um espírito de abertura a ele e à sua diversidade e rejeitar veementemente nacionalismos serôdios, protecionismos e xenofobias ou considerarmo-nos superiores a outros (e muito menos considerarmo-nos os melhores entre os melhores).

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Mas, igualmente importante, é termos um território, uma história, uma cultura, uma língua, valores, hábitos e costumes que partilhamos há muitos anos, é sermos uma comunidade.

Será essa a cola que nos dará mais vontade e força para as mudanças e que nos permitirá sermos uma sociedade bastante mais solidária e da qual nos orgulhemos.

Muitas vezes receamos falar sobre a nossa Identidade Nacional porque a sua menção poder ser por alguns confundida, por má-fé ou erroneamente, com nacionalismos ou protecionismos.

Mas como? Se na altura da constituição da própria Nação logo juntámos várias etnias e desde aí têm estado presentes na nossa história (onde como outros não deixámos de “pecar”) e na nossa Identidade Nacional, valores de multiculturalismo de respeito à emigração e imigração, de ausência de chauvinismos ou complexos de superioridade, de abertura às ideias de outros, de nos integrarmos onde vamos e de tendencialmente bem acolher.

Uma Identidade Nacional é uma das fontes mais relevantes para a nossa própria identidade (como o serão o local onde nascemos, o nosso emprego e profissão, e outras) e também para a nossa realização, bem-estar e felicidade, ou momentos de felicidade.

É, por isso, curto e pouco mobilizador falarmos em reformas estruturais ou em medidas de solidariedade e de redução de desigualdades se não as enquadrarmos na perspetiva da nossa identidade – estamos, afinal, a procurar fazê-las com quem e para quem?

Por vezes desbaratamos a nossa Identidade Nacional.

Desde logo, não a explicitando nem a realçando suficientemente, colocando-a como algo secundário face à integração Europeia ou à relevância da nossa localização geoestratégica no mundo.

Também a desbaratamos quando não lutamos nos espaços ou organizações supranacionais, como na União Europeia, contra as tendências das suas oligarquias de promoverem uma integração profunda e acelerada, descaracterizadora das Identidades Nacionais, em vez de as aproveitar como uma das riquezas da própria União.

A Identidade Nacional fica também desvalorizada quando facilitamos em demasia a atribuição da nacionalidade, ou mesmo de residência, ao invés de prosseguir um processo mais criterioso e ponderado.

Prejudicamos a construção de uma saudável Identidade Nacional quando defendemos ideologias radicais que colocam razões e soluções únicas à frente da procura de valores comuns e deste modo partimos a sociedade.

Esta Identidade Nacional, na sua substância, não nasce do Estado nem deve por ele ser principalmente promovida, nem tem de ser uma construção social das classes dominantes.

Tem que ver com os portugueses que criaram essa identidade e que querem no futuro mantê-la, de forma aberta, assumida, dinâmica e adaptativa e a partir de uma base comum, com valores e ética, adotada pela maioria, mesmo podendo existir a partir dessa base entendimentos variantes.

A Identidade Nacional que se deseja nem é passadista nem fixa, é lentamente evolutiva, e tendo razão tem ainda mais emoção.

A Identidade de Nacional é parte do que somos e um nosso ponto forte que devemos saber aproveitar, naturalmente que sem exacerbamentos nem populismos. 

Uma grande parte dos portugueses a ficar para trás

Tão ou mais grave de não aproveitarmos nem cuidarmos suficientemente da nossa Identidade Nacional, e em correlação com esse facto, é estarmos a deixar cada vez mais portugueses para trás e a diminuir a possibilidade de poderem ter cá uma vida boa.

As políticas adotadas nos últimos 25/30 anos, e acentuadamente na última década (ver  “Porque falharam os governos do PS (e dos outros)?” e “Eleições 22, um suicídio coletivo?”), assentes num Estado extrativo, dominante e asfixiante, ao serviço de poucos, “vendido” e dependente da Europa e dos seus fundos, de que alguns sobre beneficiam, têm deixado a maioria dos portugueses ficar para trás, em termos de comparação interna e externa, resultando numa comunidade descrente e com poucos meios para vencer os desafios atuais e futuros.

A grande maioria dos portugueses depende de um Estado que terá cada vez menos dinheiro para os ajudar e para manter o nível das suas pensões, tem dificuldade em aceder a empregos melhor remunerados (porque eles não existem ou pela sua falta de qualificações, nomeadamente tecnológicas), quando necessita de nova habitação não a consegue obter, é esmagado pelos impostos, vê os filhos partir e sente que os governos e governantes cuidam mais dos seus interesses e carreiras (e dos que lhes são próximos), do que dos seus.

Mesmo uma parte significativa da minoria no topo da escala dos com maiores habilitações e competências também já se sente a ficar para trás ao não encontrar no país as oportunidades e um rendimento líquido de impostos que lhe permita a si, e eventual família, dispor de um nível de vida razoável, muitos decidindo emigrar, nomeadamente os mais jovens.

Apostou-se quase tudo no assistencialismo e paternalismo social, permanente e recorrente, gerido quase só pelo Estado, muito por razões radicalmente ideológicas, demagógicas, populistas e eleitorais e apostou-se pouco em dar os melhores instrumentos, enquadramento e incentivos aos portugueses, ou em colocar à sua disposição serviços públicos abrangentes, de qualidade e eficientes, na saúde, na educação ou na justiça ou redes de proteção social eficazes.

Não se apostou suficientemente em contrariar o envelhecimento da sociedade, em cuidar seja dos mais velhos, seja dos mais novos, dos fragilizados e verdadeiramente necessitados, muito porque o dinheiro seguiu mais para os que mais voz têm e mais votam nos decisores das respetivas medidas.

A designada classe média-alta portuguesa quase desapareceu, passando portanto, a média; tendo, por sua vez, muitos membros desta passado à classe média-baixa ou baixa, é agora nestas classes que se encontra a grande maioria dos portugueses.

Desta forma e no seu todo, o país terá dificuldade em sair deste caminho de baixos salários (com um salário médio de mera subsistência e mínimo de pobreza) e de empobrecimento relativo face aos países mais comparáveis; dificilmente se aproximará, na medida do desejável, dos países mais desenvolvidos em termos sociais, económicos e culturais.

Mas afinal estamos a construir um país para quem?

Estaremos a construir um país para ninguém?

Ou, como por vezes aparenta, e sem subestimarmos a sua própria importância, estaremos a construir um país para o turismo, para os residentes estrangeiros de maiores recursos, para os residentes “não habituais” (onde também se incluem portugueses que agora “regressam”) e para os nómadas digitais?

Um país onde os “superespertos” (conceito que desenvolvemos à frente) serão dos poucos a conseguir vingar?

E será que para a maioria dos portugueses, por nascimento ou por verdadeira adoção, e atuais residentes, restará ficar a “servir” a todos estes e a todos os vários poderes dominantes existentes na nossa sociedade, sejam do Estado, empresariais ou corporativos, usufruindo de empregos geralmente mal remunerados, à espera das esmolas que os governantes decidam dar?

O turismo é naturalmente bem-vindo, é muito importante para a nossa economia, cria riqueza, muitas empresas e emprego, mesmo que nem sempre bem remunerado, mas no balanço final não deverá prejudicar a qualidade de vida da generalidade dos que cá vivem nem ser predominantemente a única grande indústria de sucesso.

Os residentes estrangeiros são bem-vindos, principalmente se para cá vierem residir em pleno, se apreciarem de um modo geral o nosso país, a nossa cultura, hábitos e costumes. Aliás alguns dos estrangeiros acabarão por realmente adotar-nos, tornando-se portugueses, não só na conservatória, mas também no coração.

Os nómadas digitais são igualmente bem-vindos. Chegaram em quantidade, o que lhes foi possível pela globalização tecnológica, pelos voos mais baratos, e pelo facto de o país estar dotado de boas redes de telecomunicações, atraídos por uma qualidade e custo de vida atrativos, tendo em conta os salários mais elevados de que usufruem, vindos de fora, e que não serão cá taxados por não serem residentes mas sim em outras geografias decerto mais amigáveis.

Os números do crescimento nestas áreas, para além dos mais divulgados e conhecidos do turismo, falam por si.

Em apenas seis anos, entre 2016 e 2022, o número de residentes estrangeiros (que não cobre o numero total real de estrangeiros que vivem em Portugal, como por exemplo os nómadas digitais e os não legalizados) dobrou em cerca de 400 mil novos residentes (de 393 mil para 781 mil) principalmente em centros urbanos e litorais. Em Lisboa e no Porto, a percentagem de residentes estrangeiros face ao total alcançou no final de 2022 respetivamente 21,2 % e 9,8%.

No final de 2023, estima-se que o número total de residentes estrangeiros ficará perto de 1 milhão, cerca de 10% da população total, quando era de 4% em 2016.

Uma parte significativa deste crescimento não adveio da tradicional imigração trabalhadora que apenas acede aos empregos menos qualificados e que chega a viver em condições miseráveis e inaceitáveis, mas de um novo tipo de “imigrantes” que possui maiores recursos e património. Será o caso dos designados residentes “não habituais”, a maior parte estrangeiros e com recursos, que deverão alcançar no final de 2023 os 100 mil.

Todo este afluxo de visitantes e residentes verificados nos últimos 6 anos tem transformado o tecido económico-social, em particular nas cidades do litoral.

É um afluxo em geral positivo, dada a diversidade e dinâmica acrescida, um maior consumo e algum investimento e emprego adicional associados, mas naturalmente também envolve aspetos menos positivos, onde se inclui o potencial aumento das desigualdades.

É notório o impacto deste afluxo em certas zonas, causando pressão e sobrecarga sobre as infraestruturas e serviços públicos e no aumento substancial do preço da habitação, dos serviços e restauração, que passaram a ter valores praticamente proibitivos para os portugueses residentes, que deixaram de poder frequentá-los regularmente por disporem de um poder de compra muito limitado, ao contrário dos novos frequentadores que os “substituíram”.

Programas lançados baseados na concessão de privilégios fiscais ou utilitários, como o dos “residentes não habituais” (que representarão uma despesa/benefícios fiscais perto dos 2 000 milhões de euros em 2023, mesmo que nem tudo seja perda efetiva para o Estado), não utilizam as melhores razões para atrair novos residentes podendo ainda despoletar um legítimo sentimento de injustiça e representar quase que uma afronta para muitos dos portugueses, e outros residentes, que há muitos anos cá habitam.

Para além de que muitas vezes produzem outras distorções e efeitos colaterais, como se verifica no programa dos “não habituais” em que se estimula os portugueses a mudarem a sua residência fiscal temporariamente durante cinco anos, como já está a acontecer, para depois “regressarem” ficando dez anos a beneficiar de elevados benefícios fiscais. Tudo indica pois que estes programas trarão mais desvantagens do que vantagens para a sociedade no seu todo.

Não será de esquecer ainda que, para além das nossas belezas naturais, de um bom clima e da afabilidade das nossas pessoas e cultura, muito do que oferecemos aos que para cá veem – das infraestruturas à segurança – foi suportado durante anos e anos pelos impostos dos portugueses e pela dívida que terão que pagar.

Assim, todo este afluxo de novos visitantes, residentes e nómadas terá necessariamente de passar a merecer um mínimo de análise independente e de regular balanço dos impactos positivos e negativos, de planeamento, de regulação justa e mesmo de ponderação dos eventuais contributos que poderão passar a ter que ser prestados pelos que veem, por forma a garantir que, num balanço final, as vantagens líquidas para os portugueses residentes, agora e no futuro, não deixem de ser claramente positivas. 

Os “Superespertos”

No sentido mais restrito do termo os “superespertos” (designação usada por alguns autores internacionais e que aqui adoto e adapto e que não pretende ser necessariamente pejorativa), sendo portugueses ou estrangeiros, cá residentes, são aqueles que têm uma educação especializada e bastante qualificada em certas áreas e matérias que se tornaram no mundo mais relevantes e que movimentam mais dinheiro, possuem acesso privilegiado à informação, pertencem a uma rede de contactos mais exclusiva, muitas vezes com componente internacional, na qual trocam informação e contrapartidas.

Movem-se bem no mundo empresarial e institucional (nacional e europeu) e também junto dos políticos. Exercem, entre outras mas não só, atividades relacionadas com as áreas financeiras, da gestão de ativos, mobiliários e imobiliários, e de fundos. A maioria considerar-se-á principalmente como cidadãos do mundo.

São na prática neutros relativamente aos governos e à sua cor, estão perto da produção legislativa, dispondo de apoio legal especializado, sabem encontrar o melhor planeamento fiscal e principalmente ter acesso e tirar partido dos fundos que chegam ao país, alguns por eles mobilizados.

As suas atividades nem sempre criam um elevado valor para a sociedade e Economia do país, em particular a longo prazo, mas geram mais-valias financeiras apreciáveis e relativamente rápidas para os seus investidores ou parceiros, das quais retêm para si uma quota-parte significativa, sendo essa uma das suas principais motivações. De um modo geral atuam na legalidade e com uma certa descrição e low profile.

Os “superespertos” não se confundem com os empreendedores, empresários e gestores que pela sua iniciativa e grande inovação que trazem criam, de uma forma geral, um bastante maior valor acrescentado para os consumidores e sociedade, com fortes externalidades ao desenvolverem, e numa ótica de longo prazo, empresas, emprego, novos conceitos e produtos, marcas, equipas qualificadas e motivadas, etc, ficando para si com uma quota-parte proporcionalmente bastante inferior da totalidade das mais-valias por si criadas na Sociedade.

Num sentido mais abrangente e menos positivo poderão também ser considerados “superespertos” alguns daqueles que ocupam, por vezes por muitos anos, lugares de topo em organizações – empresas, corporações, associações ou sindicatos – com poderes dominantes nas suas áreas e que frequentemente não resistem a abusar desse mesmo poder procurando cancelar novos “players”, inibir a concorrência, e quem lhes aparece no seu caminho ao mesmo tempo que procuram posições de favor e de captura de maiores contrapartidas junto das entidades públicas e uma influência acrescida junto da Comunicação Social

Ainda com uma avaliação menos positiva poderemos finalmente designar de “superespertos” todos aqueles que se aproveitam dos apoios e subsídios do Estado, sociais ou não, mesmo quando não lhes são devidos.

Em cada época existirão sempre “superespertos”, que saberão tirar maior partido das situações na altura existentes. Os superespertos que atuarem em mercados abertos, sem favorecimentos ou compadrios, que não abusem de posições dominantes e que respeitem a legalidade, não deixarão de trazer algum contributo positivo para o país.

O problema é que o sistema vigente e a forma de funcionar da sociedade quase só permite aos “superespertos” vingarem, e não a todos os outros atores – investigadores, académicos, empreendedores, agentes culturais e sociais, empresários, gestores e trabalhadores – e à população em geral, que pela sua iniciativa e trabalho, atuando na área empresarial ou fora dela, muito mais valor poderiam trazer para a sociedade.

Resumindo…

Para bem dos portugueses e da sua realização precisamos de alterar e evoluir na forma como a sociedade está organizada e funciona, tornando-a também mais flexível e preparada para os desafios futuros, e, portanto, de avançar nas designadas reformas estruturais.

Para que essa mudança aconteça, uma das nossas referências será a nossa Identidade Nacional, sem nacionalismos nem protecionismos.

Tão ou mais importante será não deixar a maioria dos portugueses ficar para trás.

Nos últimos anos, as políticas prosseguidas desvalorizaram e prejudicaram a Identidade Nacional e pouco criaram a condições para o desenvolvimento social, cultural e económico da maioria dos portugueses e do país.

A governação, em particular a mais recente, contribuiu para degradação da ética pública no Estado e nas suas instituições, subordinando-a aos interesses partidários, corporativos ou meramente pessoais, colocando frequentemente no “aparelho” os seus apaniguados e dando alguns dos piores exemplos na forma de governar e gerir a coisa pública.

Acreditamos num espaço europeu e numa União europeia focada no que é essencial (nomeadamente no ambiente/alteração climática, defesa/segurança, interligação energética, redes de telecomunicações e logísticas, estabilidade monetária, concorrência, investigação e na coesão sustentável) e que produza um benefício claro para cada um dos seus membros e cidadãos.

Nas próximas décadas não queremos viver um estado federado europeu, com um governo único, que se torne num poiso para os políticos mais carreiristas, com uma grande e forte nomenclatura e burocracia central e em que as identidades dos países ficam demasiado diluídas.

É ainda importante que os desequilíbrios e excessos da globalização, na qual também se acredita, sejam caldeados e apaziguados com a consideração devida pelas Identidades e Culturas Nacionais.

O afluxo de visitantes e residentes estrangeiros é, à partida e em geral, positivo para o país e para a nossa sociedade, em particular sempre que enquadrado num planeamento e regulação adequados, por forma a salvaguardar os interesses e a qualidade de vida da grande maioria dos portugueses, não permitindo a criação de novas desigualdades nem a desvalorização da nossa identidade que, aliás, poderá ficar enriquecida no processo.

Está agora na altura da sociedade civil se mobilizar para a alteração do status quo do país, invertendo a sua degradação e empobrecimento, dinamizando a democracia e aumentando a ética privada, estimulando novos projetos políticos (ou, se ainda for possível, a reformulação de alguns dos existentes) e protagonistas (ou queremos continuar a apostar e eleger os mesmos do passado?) que estejam à altura dos enormes desafios com que o país se defronta.

Ao fim e ao cabo, só queremos continuar a ser portugueses, fazer parte de uma comunidade aberta, inclusiva e que reconhece o valor de cada um, ter oportunidades e a possibilidade de ter uma boa vida, assegurar as liberdades, reduzir as desigualdades e fragilidades, e, já agora, se não for pedir muito, não sermos mal tratados!

Nota – Comentários e sugestões podem também ser enviados diretamente para: acarrapatoso@observador.pt