O debate político, particularmente neste período pré-eleitoral, deveria centrar-se na procura de soluções para os principais problemas e desafios de Portugal. Fugir a essa responsabilidade e continuar a dedicar a maioria do debate pré-eleitoral aos cenários das coligações é tornar a política supérflua e contribuir para a escalada da abstenção.
Nesse sentido, é importante que os partidos e os meios de comunicação social se concentrem nos seguintes problemas e desafios:
- O envelhecimento da população, com um índice sintético de fecundidade de 1,4 filhos por mulher e um índice de envelhecimento de 182 idosos por cada 100 jovens (Censos 2021). Um desequilíbrio demográfico que vai provocar uma redução significativa da população ativa e que poderá vir a colocar em causa a sustentabilidade da segurança social, para além de aumentar a pressão sobre o nosso sistema nacional de saúde.
- O endividamento, com uma dívida pública no 2º trimestre de 2021 de 133% do PIB e uma dívida do setor não financeiro de 766 mil milhões de euros em outubro de 2021. Esta dívida suga enormes recursos da economia e poderá vir a colocar o país numa situação muito frágil caso as taxas de juro voltem a subir.
- A fraca produtividade por hora trabalhada. Os 23 euros de Portugal comparam com os 41 euros da média europeia, o que faz com que o PIB per capita português represente atualmente apenas 77% da média da União Europeia quando em 1999 era de 84%. Se não formos capazes de aumentar a produtividade não poderemos esperar ver os salários subir miraculosamente.
- Os baixos níveis de escolaridade, com apenas 52% dos portugueses entre os 25 e os 64 anos com ensino secundário completo, quando a média da União Europeia é de 78%. Apesar do número crescente de alunos universitários, apenas 17,4% população completou o ensino superior (Censos 2021). Acresce que mais de metade dos empregadores (54,6%) não frequentou o ensino secundário ou superior (vs. 16,6% na EU). Mesmo perante estes atrasos, apenas 10% dos portugueses entre os 25 e os 64 anos frequentam formações ao longo da sua vida.
- O envelhecimento do corpo docente das escolas, com apenas 1,1% dos professores com menos de 35 anos e com 53% acima dos 50 anos. Isto significa que 40% dos professores deverão aposentar-se até 2030, enquanto o número de alunos em mestrados com habilitação para a docência caiu 70% desde o início do século. Se não renovarmos e requalificarmos o corpo docente dificilmente conseguiremos adaptar a educação ao futuro do mercado de trabalho.
- A desigualdade económica, social e intergeracional, caracterizada por um desemprego jovem (15 aos 24 anos) de 23% e uma taxa de risco de pobreza de 18,4% em 2020 (vs. 16,2% em 2019). Estamos a falar de 2 milhões de pessoas em risco de pobreza ou em situação de pobreza. Já nem ter um trabalho é suficiente para escapar à pobreza. Segundo o INE, 11,2% das pessoas empregadas são pobres, o valor mais alto dos últimos 13 anos. Algo absolutamente compreensível uma vez que um quinto dos portugueses recebe apenas o salário mínimo. Estes níveis de pobreza fazem com que uma percentagem considerável dos portugueses não possa completar os seus estudos por falta de condições financeiras.
- A lentidão da justiça e a falta de meios para combater a corrupção. A taxa de congestão dos tribunais cifrou-se em 152% em 2020, sendo notória a falta de meios do Ministério Público para investigar a multiplicidade de atos de corrupção, levando alguns processos a prescrever.
- A insuficiente cobertura dos serviços públicos de saúde, com mais de um milhão de utentes sem médico de família, um milhão de consultas e 127 mil cirurgias por realizar, e privações consideráveis na fisioterapia e na saúde oral.
- A escassez de habitação a preços acessíveis e a má condição de muitas habitações, com 17,5 % dos habitantes a afirmarem não conseguir manter a sua casa aquecida durante o inverno (Eurostat).
- A ausência de um enquadramento suficientemente dinamizador da atividade e do investimento empresarial. Portugal encontra-se no 39º lugar no ranking Ease of Doing Business do World Bank (vs. 23º em 2016) e apresenta a segunda taxa de IRC mais alta da Europa. Num país com uma divida colossal e uma taxa de poupança baixa é imperativo estimular o investimento estrangeiro para construir um país mais inovador e produtivo.
- A necessidade de caminharmos rapidamente para uma sociedade mais sustentável, incluindo todos os investimentos e custos para efetuarmos a transição energética e assegurarmos uma mobilidade verde.
- A revolução tecnológica e a transição digital, com impacto nas empresas, nas pessoas e na administração pública, alterando diversos paradigmas da economia e do mercado de trabalho.
- O apoio aos setores económicos e sociais mais afetados pela pandemia.
Partindo deste diagnóstico, o mais factual e numérico possível, os políticos deveriam estar focados na definição de soluções para estes desafios, em vez de se perderem com desatinos ideológicos, pedidos de maiorias estáveis, casamentos de conveniência ou criações propagandísticas de líderes providenciais. As soluções para os nossos problemas não advêm desses quatro conventos e muitas já foram aplicadas noutros países. Cabe-nos seguir os melhores exemplos e adaptá-los à nossa realidade. Cabe à comunicação social forçar os partidos a clarificarem quais são as suas soluções para estes desafios para que os portugueses possam fazer uma escolha informada nas próximas eleições e para que a sociedade possa escrutinar se o que foi dito foi efetivamente cumprido.