A guerra na Ucrânia veio pôr ao descoberto a arte do ardil, da astúcia, manha. O caso mais visível é o do PCP, a que se juntam alguns colunistas de opinião, não abertamente associados àquele partido mas por este citados, o que já de si é parte dessa arte. A astúcia trduz-se em, na questão da presente invasão da Ucrânia pelo exército russo, tratar favoravelmente o governo de Putin sem o dizer explicitamente. No desempenho deste papel há várias interpretações possíveis: uns, mais frontais nas suas posições, mencionam a ‘intervenção russa’ e ignoram a invasão; outros, mais subtis, referem que a guerra (que abominam como pessoas de paz que são) não existiria se a Ucrânia (ou Zelensky) não resistisse. Perante o massacre de Bucha, os mais frontais aventuraram a hipótese de o exército ucraniano ter morto os seus concidadãos. Já os mais subtis disseram ser preciso investigar. Protegidos pela manta da Justiça (que não condena sem julgar e não julga sem provas) e contando que os outros são estúpidos fizeram o que puderam para limpar a imagem do Kremlin.
Claro que temos de aguardar pelo fim das investigações. Entretanto, estas já se iniciaram e apontam para civis mortos no dias em que os soldados russos ocupavam aquela localidade. Podemos socorrer-nos da formalidade mas se o fizermos à exaustão ao ponto de toda e qualquer conclusão advir daí, colocamos em causa factos simples e indiscutíveis (mas não formalmente provados) como a ida do homem à Lua, a existência dos protoplanetas entretanto descobertos, que as fotos de Plutão tiradas pela New Horizons são verdadeiras e por aí em diante. Os exemplos são ridículos tal como são ridículas as considerações sonsas sobre os russos não terem assassinado civis em Bucha. A formalidade pode adiar a condenação jurídica, mas não necessariamente a conclusão política e histórica. Menos ainda a jornalística.
Mas há pior. Se formos pelo argumento da bondade sonsa dos que usam o que é bom para dissimular o que pretendem, se equipararmos nesta guerra os Ucranianos aos Russos, se não somos capazes de distinguir a violência do agressor da do agredido, como é que justificamos o papel dos Soviéticos no combate aos nazis? Como justificamos a resistência Britânica à Alemanha de Hitler? Como explicamos a entrada e os combates dos norte-americanos nesse mesmo conflito? E podemos ir mais longe: como fundamentamos as lutas dos diversos povos contra as potências coloniais? Como alicerçamos a legitimidade dos que lutaram pela liberdade e pela democracia?
A presente invasão da Ucrânia pela Rússia está a ser utilizada como uma forma de promoção pública, para uns, e um meio de dividir a sociedade perante uma ameaça séria às nossas liberdades, para outros. Mas a desvalorização da diferença entre o certo e o errado, a depreciação dos diversos actos e atitudes de cada um dos lados na guerra (da defesa de uns e da ofensiva de outros) é perigosa também porque é contraproducente. A sonsice pode ser uma táctica, uma manha ardilosa e subtil, mas não passa disso. De uma pobreza de espírito.
P.S.: não nos surpreendamos se Marine Le Pen vencer a primeira volta das presidenciais francesas que têm hoje lugar. Há 5 anos Macron apresentou-se como a última oportunidade dos moderados contra os extremistas. Nessa altura houve quem avisasse que Marine Le Pen regressaria em força caso Macron defraudasse as expectativas criadas. O risco de Le Pen ser presidente é grande e seria uma prenda para Vladimir Putin num momento de tamanha incerteza.