No dia 22 de Abril de 2022, passados dois anos, foi com alegria e felicidade que recebemos de volta o que nos tinha sido tirado desde então: a liberdade de usar ou não máscara. Finalmente livres!

Mas não todos. Sem que ninguém pareça discordar, o uso de máscara continua a ser obrigatório em três situações: em unidades de saúde, em lares de idosos, e nos transportes públicos. São estes os últimos esquecidos.

Penso mesmo que, no caso dos hospitais e lares, jamais será permitida a “não obrigatoriedade do uso de máscara”. Nunca!

Nos transportes públicos, não faz sentido o argumento da “elevada intensidade de utilização e difícil arejamento”, especialmente tendo em conta o que já há algum tempo se permite noutros espaços, como bares, discotecas, casamentos e outras reuniões familiares, e sem qualquer consequência detectável. Mais valia que, também nos transportes públicos, se libertassem as pessoas, e se deixasse usar máscara quem considerar que isso é útil ou eficaz, e não o fazer quem achar que o seu uso é injustificado, quer pela escassa ameaça colocada pelo vírus, quer pela ineficácia dessa medida.

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Já nas unidades de saúde, temo que nunca mais nos libertem. É muito forte o argumento de estas serem locais onde se encontram as pessoas “mais vulneráveis” (seja o que isso for), porque traz à nossa mente o conceito básico da protecção dos infelizes indefesos que necessitam do nosso apoio paternal, e isso bate fundo nos recônditos mais primitivos do nosso cérebro. O emocional sobrepõe-se ao racional.

No meu hospital, no entanto, ao longo destes dois anos de pandemia (e mesmo antes da vacinação e das actuais variantes mais benignas), os doentes que, previamente internados por qualquer outra razão, se tornaram positivos durante o internamento, tiveram invariavelmente uma doença ligeira ou mesmo assintomática, sem qualquer consequência.

O mesmo se passou com os profissionais de saúde. É que foram muitos (quase todos?) os que foram positivos para o vírus, alguns mais do que uma vez, sem que nenhum sequer tenha sido internado por Covid-19.

Isto em relação à gravidade da doença neste contexto. E o que dizer da eficácia das máscaras?

É que todas estas infecções e testes positivos no hospital, em doentes e em profissionais, ocorreram em contexto de uso generalizado de máscara (cirúrgica pelos doentes, FFP2 pelos profissionais). Não me parece por isso que a eficácia do uso das máscaras em ambiente hospitalar, no mundo real, seja assim tão óbvia.

Por outro lado, os doentes assistidos no hospital são invariavelmente idosos, muitas vezes com problemas de audição e de comunicação. O uso obrigatório de máscara, neles e nos profissionais de saúde, agrava enormemente esses problemas de comunicação, e até a nossa avaliação do próprio doente, cuja expressão facial é tantas vezes uma importante pista para aquilo que com ele se passa.

Fará sentido manter a obrigatoriedade do uso de máscara nestes locais, estando nós já todos vacinados e quase todos covidados?

Os idosos dos lares serão os mais esquecidos de todos, ainda e sempre, e apesar dos discursos da “protecção dos mais vulneráveis”. Também nestes locais é questionável a manutenção da obrigatoriedade do uso de máscara, perante a actual escassa gravidade da infecção (e consequente inutilidade da medida) e a aparente ineficácia da mesma (será que algum lar evitou ter um ou vários surtos de Covid-19, mesmo com utentes e profissionais vacinados e mascarados?). Também aqui as dificuldades de comunicação, acrescidas da frequente desorientação dos idosos e dificuldades no reconhecimento dos seus cuidadores, deveria levar-nos a questionar se o prejuízo das máscaras não será superior ao seu (duvidoso) benefício.

Acho que já chega de fazermos mal (em nome de fazermos bem) aos idosos nos lares. Já lhes basta estarem numa fase da vida e numa situação de perda de autonomia que os obriga a dependerem de outros. Para além disso, nos últimos dois anos, foram colocados repetidamente em “solitária”, “castigados” quando regressavam das escassas saídas que ainda lhes foram permitidas, impedidos de serem visitados pelas pessoas mais significativas da sua vida, tendo muitos acabado por falecer (mais frequentemente por outras causas do que por Covid-19) sem nunca voltarem a ver os seus próximos, e sem que estes os vissem também. Para quê?

Estão agora todos vacinados e acabaram, quase todos, por ter Covid-19, mesmo com as máscaras, mesmo sem visitas.

Há coisa mais triste? Vale a pena ser “protegido” para viver e morrer assim?

Finalmente livres? Eu não me sinto livre ainda.