Se, como sustentei na semana passada, o maior problema do país, que o actual Governo não só não procura minimizar, como nem sequer reconhece a sua existência, é o envelhecimento da população e o estado de saúde a ele associado, o segundo maior problema do país é o da educação. Com efeito, apesar de um aumento estatístico dos anos de estudo concluídos, Portugal continua a ser, de longe, o país da Europa com o nível médio de escolaridade mais baixo. Daí, para começar, a baixa produtividade do sistema económico bem como do funcionamento do país em geral. São exemplos notórios disso, ramos como a construção civil e o turismo, não falando do exército crescente da função pública, grande parte da qual responde pelos níveis de saúde e de educação.

Ora, pela altura em que o PS subiu ao poder no fim do século passado, foi feito um estudo – o único que conheço – sobre a literacia em Portugal. Basta dizer que os autores foram obrigados a criar um quinto nível mais baixo do que os quatro escalões do estudo internacional que esteve na base do português: na época, 10% das pessoas estavam nesse nível zero; a ele juntavam-se quase 70% nos dois escalões mais baixos e apenas 20% no conjunto dos dois escalões mais altos de literacia, ou seja, um quinto da população.

Ora, o que acontece é que, embora o nível tenha certamente melhorado, o envelhecimento cada vez maior da população faz com que a percentagem de pessoas com níveis de literacia muito baixos continue a ser o pior da Europa. Daqui vem de certeza uma parte significativa do abstencionismo eleitoral! Foi em face desse atraso secular, que os governos Cavaco e Guterres promoveram no final do século XX, cada um a seu modo, a massificação e a privatização do ensino cujos resultados estamos a ver quais são. Cavaco promoveu o ensino privado, criando um conjunto de universidades que nunca foram capazes de separar o ensino do negócio dirigido às famílias cujos filhos não conseguiam entrar na universidade pública; Guterres, pelo seu lado, multiplicou politécnicos e universidades com propinas baixas por todo o país, a fim de dar vida às cidades da província.    

À massificação do ensino correspondeu, necessariamente, a uma outra massificação, que é a dos docentes. Ao mesmo tempo que os cursos de licenciatura foram encurtados, com a diminuição de conhecimentos que isso implica, aumentaram para alguns as pós-graduações. Entretanto, o ensino universitário foi reservado aos doutorados. A este título, lembro o caso de uma instituição promovida entretanto a universidade, cujo corpo docente passou de dois doutorados em 1980, a 720 hoje em dia… Ora, saltos quantitativos desta natureza dificilmente podem deixar de ter implicações qualitativas que não são fáceis de calcular: por um lado, trata-se da necessidade de cada vez mais especialização e, por outro, do excesso de especialização.

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Não foi por acaso, que a educação evoluiu muito recentemente no sector da saúde ao mais alto nível de formação profissional com a criação, contra a vontade expressa da Ordem dos Médicos, de um curso de Medicina na Universidade Católica – uma instituição privada. Este caso vai longe. O PS não só passou por cima dos cursos existentes, como cedeu à Católica, sancionando o custo real deste tipo de formação – 100 mil euros por aluno – e mostrando que o Estado não tem nem terá dinheiro para custear os cursos públicos de Medicina, nem para pagar aos novos médicos o seu custo real no mercado da saúde. Este caso obriga a população a reconhecer a necessidade de aumento real das remunerações dos cuidados de saúde, bem como o aumento da oferta privada através das companhias de seguros dominadas por grupos estrangeiros.

Ora, a saúde constitui o outro lado do envelhecimento e do seu custo. Com efeito, segundo um estudo comparativo publicado sobre o estado de saúde da população portuguesa com 50 ou mais anos, já era, antes da pandemia, o pior da Europa. Isto ajuda a perceber os óbitos e hospitalizações provocados pela Covid-19, mas, sobretudo, a necessidade em que o Governo se encontrou, de fechar praticamente todo o SNS por falta de recursos nos picos da pandemia!

O resultado disso foi o número de óbitos extra-pandemia ter atingido tantos milhares ou mais do que as vítimas do próprio vírus. Ora, isso não irá melhorar daqui para a frente. Antes pelo contrário. A propaganda com que o PS e os seus aliados envolveram o SNS tornou inviável, a curto prazo, sustentá-lo financeiramente, o que abrirá um fosso crescente entre quem tem seguros privados e quem não tem. Numa próxima ocasião, ver-se-á de que maneira o bloco partidário actualmente no poder será capaz de enfrentar o principal custo financeiro do envelhecimento, ou seja, o sistema de reformas, pensões e subsídios: nada fazendo como de costume?