Se já a sabedoria popular dizia que é com a verdade que melhor se engana o próximo, esse hábil manobrador da Revolução Francesa que foi o cardeal Talleyrand argumentava cinicamente que «a palavra foi dada aos homens para disfarçarem o pensamento». Na actual era da novidade mediática, que são as setas basculantes que pretendem medir a veracidade ou falsidade das informações dos canais de televisão, os paradoxos históricos que comecei por citar tornaram-se o pão nosso de cada dia!

Hoje, quanto mais alto falam e mais repetem os seus slogans, mais as autoridades que nos governam e os seus anexos pelo país fora acabam por fazer o contrário daquilo que proclamam. A última ideia que lhes passou pela cabeça foi substituir as coisas palpáveis por palavras tanto mais falaciosas quanto pretendem ser, vejam lá, «inclusivas»: isto é, a linguagem é martelada até dizer subrepticiamente o que o Governo quer. Desculpem, mas não me «inclusivem»!

Aqui mesmo e em toda a imprensa escrita se fizeram ouvir nos últimos dias as sucessivas denúncias de vozes como as de António Barreto, Barata-Feyo e Pacheco Pereira – todos eles diferentes, mas todos iniciados antes do «25 de Abril», como eu próprio – contra essa lei da censura promulgada pelo Governo. Esta nova legislação acaba de ser votada no Parlamento praticamente por unanimidade com algumas honrosas abstenções e subscrita sem pejo pelo presidente da República, Assim foi restaurada a censura à opinião pública prevalecente na ditadura! Vinda a lei de quem veio, nada admira. É de notar para o futuro que o jovem BE apoiou a nova lei, enquanto o velho PCP desconfiou da fartura!

Basta recordar que ainda há pouco, o Governo do PS regou a comunicação social com milhões de euros de «anúncios pagos» sob o pretexto de a ajudar a sobreviver à pandemia: «Honni soit qui mal y pense», acrescento eu, continuando a citar a «voz do povo»! Não bastava já uma «agência de informação» estatal (a LUSA herdada da ANOP, por seu turno herdada da ANI ditatorial), bem como os «influenciadores profissionais» espalhados por essa «comunicação social» fora.

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Agora, o PS e a maioria do Parlamento aproveitaram uma péssima ideia da UE, que quanto mais se mete na política mais se espalha, embora desta vez ainda não tivesse passado à prática, para criarem mais uma série de «órgãos» habilitados pelos governos – ou parlamentos, como se não fosse a mesma coisa – a «validar» as opiniões emitidas nos órgãos de informação estabelecidos no mercado. Não bastava a «vigilância» da já existente ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social). Com a rede de controlos amarrados em volta dos órgãos privados de comunicação, mais aquela que virá agora submetê-los aos partidos políticos e a entidades a eles subordinadas, bem podemos dizer adeus à modesta liberdade que nos restava: «O rei vai nu»!

A partir de agora, o «rei» – desde que tenha sido eleito ou se tenha aliado aos eleitos – irá sempre vestido e, pior do que isso, será investido do poder governamental de apoiar (cito) «a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados», assim como o poder de «incentivar a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública»: como os mais velhos nos recordamos desta linguagem indisfarçavelmente ditatorial.

É como se a «Entidade Reguladora para a Comunicação Social» – já de si designada pelo Parlamento segundo a vontade da maioria reinante –, bem como os investimentos publicitários nos órgãos jornalísticos que os aceitaram a pretexto da pandemia, não chegassem para empurrar a «opinião publicada» no sentido das opções governamentais. A partir de agora, ao abrigo de uma pomposa «Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital» emitida pelo PS e ratificada pelo PR (Lei n.º 27/2l de 17 de Maio), os governos terão o poder de manipular à sua vontade a comunicação social a fim de prevenir alegadas «desinformações».

Esta invasão do mais banal espaço público de discordância, como é o humor popular, finge ignorar o facto comezinho de os inevitáveis erros e inverdades praticados diariamente pelos órgãos de opinião pública livres serem corrigidos e, por isso, frequentemente castigados pelos tribunais normais, sem necessidade da interferência dos desmedidos poderes partidários de que o actual PS se apoderou com a cumplicidade de lamentáveis aliados como o PSD e o CDS ao lado do BE.

Quanto mais se recusa a pronunciar o nome de Sócrates, mais o actual Primeiro-Ministro se parece com ele. Com tais líderes, apenas conta esse poder fáctico que vem da estatização da economia – ou seja, um capitalismo de Estado – sem o qual o PS não sobrevive. Quando o actual PM fala da «verdade» ditada por agências governamentais, não se pode tolerar a legitimação que o PR lhe deu. E quando chegarmos à falsidade intrínseca da «verdade governamental», desconfiem SFF!