Chegou já o novo período de férias de Verão, neste nosso lindo País, de seu nome Portugal, que tem uma das mais importantes conquistas do 25 de Abril, vivida nesta jovem democracia e em liberdade – o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
O SNS evoluiu, aprimorou-se, modernizou-se, atingiu um patamar de excelência. Sofreu as dores do crescimento, instalando-se nas pequenas vilas e aldeias, onde as consultas do “médico da Caixa” e os curativos e injecções dos enfermeiros, foram evoluindo, dando lugar ao trabalho por equipas, por módulos, por lista de médico de família, por lista geográfica de enfermeiro de família, etc. nos novos ou renovados Centros de Saúde, até à nova filosofia das unidades funcionais: USF, UCSP e UCC integrando as ECCI. Nos cuidados secundários ou hospitalares, a evolução também foi enorme. Desde a qualidade das instalações, ao conhecimento científico das equipas multiprofissionais (conhecimento este, também nos cuidados de saúde primários) e intervenção precoce no tratamento de todas as doenças, particularmente, as oncológicas. Tecnologia de ponta no auxílio do diagnóstico. Muito poderíamos escrever sobre esta realidade e evolução, mas não é essa a linha de pensamento desta crónica.
Ao longo destes tempos que correram até hoje, a política apoderou-se do SNS e, quando os políticos se aperceberam que tinham aqui terreno fértil para desbravar e se instalarem e colocar os seus “boys e girls”, começou a degradação do SNS. Também o corporativismo e os intocáveis de algumas classes profissionais contribuíram para essa degradação e dificuldade de resposta em tempo. É certo que a procura de resposta, a pressão, o surgimento de novas e complexas patologias e o acesso/uso/democratização do SNS, também contribuíram para estas dificuldades. À custa da falta de resposta e também de complemento do SNS para um sistema de saúde, o sector privado foi o que maior crescimento registou, desafiando os profissionais do público a transitarem para este, com melhores salários, regalias e condições de trabalho, que se vêm degradando no SNS.
Chegados a Junho/2023, com o Verão a “bater à porta” e período de férias por excelência, com a mobilidade de população para o litoral, novo desafio e dificuldades se colocam ao SNS. E isto porquê?
- Porque o ministro mudou, mas nenhuma alteração de fundo, estrutural, e política de saúde foi implementada;
- A Direcção Executiva foi constituída, tomou posse, mas ainda não possui estatutos/regulamentação, aprovada pelo governo, que efectivamente defina a sua actuação. Em boa verdade, também nem um ano tem de exercício;
- As urgências continuam sob uma pressão permanente, porque não se implementaram estímulos, condições e reformas nos CSP, para que tal deixasse de acontecer e houvesse alternativa aos SU. As longas horas de espera no SU vão acontecer/manter-se e continuar;
- Os blocos de partos e maternidades, algumas urgências de especialidades, etc., continuam a encerrar alternadamente, devido às escalas e falta de profissionais para assegurarem o seu funcionamento, apesar do ministro ter mudado;
- A carência e falta de profissionais, nomeadamente enfermeiros e médicos, é uma realidade assustadora. Os serviços estão no limite, dotações seguras por respeitar, conforme as ordens profissionais têm afirmado, pedidos de escusa de responsabilidade de enfermeiros e médicos, demissões seguidas de directores de serviço, para além do cansaço e burnout, que se vem apoderando dos profissionais e equipas de saúde, com os enfermeiros à cabeça.
Muito mais poderíamos escrever sobre estas lacunas.
O que se está a viver, é a consequência da má gestão, das cativações orçamentais absurdas e da não contratualização, de forma estável, e por falta de carreiras justas, cativantes e bem remuneradas, para todos os profissionais de saúde, que assim vão para o privado e emigram. Estas medidas castradoras têm impacto negativo nos serviços ao longo dos anos e dificultam as respostas às necessidades que os cidadãos colocam ao SNS. As populações envelhecidas, a maior esperança de vida, as comorbilidades desta mesma população, o aparecimento de doenças novas e outras que se diagnosticam precocemente, e por isso necessitam de mais consultas, de mais cirurgias, de mais cuidados de enfermagem, implicam o aumento de trabalho, quer nos hospitais, quer nos CSP, nos atendimentos e tratamentos domiciliários, Se para um volume de trabalho aumentado, os profissionais são os mesmos ou menos, é claro que o sistema está desequilibrado e, por isso, a resposta vai ser mais demorada, que só por esse facto, já vai ter implicações na saúde dos cidadãos.
Na tentativa de tapar o sol com a peneira, temos a retórica política! Tudo parece que se vai resolver no dia seguinte, ou na próxima segunda-feira, como dizia o Dr. António Costa. O que é certo é que o descontentamento permanece na classe de enfermagem, porque o governo ainda não foi capaz de uniformizar, de forma séria e justa, a atribuição dos pontos e contagem de tempo, com implicação na avaliação de desempenho, estabelecido pelo D.L. 80-B/2022. Apesar de o sr. ministro Manuel Pizarro propagandear, à boa maneira socialista, a resolução rápida deste problema e a disponibilidade para a negociação da melhoria da carreira de enfermagem, ainda não encetou essas negociações e diligências. Os médicos também estão descontentes e ameaçam com greves. Os técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica estão insatisfeitos com a falta de cumprimento de promessas socialistas e ameaçam com greves. E todo este cenário com hospitais a despedirem enfermeiros em vez de os contratar. Escalas de serviço deficitárias. Sobrecarga de trabalho e recurso abusivo às horas extraordinárias, deixam os profissionais exaustos. Com as férias a chegar, quando a população flutuante triplica ou quadruplica em muitos locais, vai efectivamente ser outro Verão a desafiar a capacidade de resposta do SNS. Precisamos que nasçam crianças em Portugal. Seria bom que nascessem onde os seus pais desejam e que as grávidas não se vissem obrigadas a fazer 100 ou 200 kms para dar à luz, pondo em risco a vida da mãe e do bebé.
Pede-se ao sr. ministro da Saúde menos retórica, mais acção e cumprimento efectivo e atempado das promessas e compromissos com os enfermeiros. Planeamento sério, para as necessidades e respostas às populações e não encerramento de serviços.
Os profissionais cumprirão com ética e deontologia as suas obrigações. Espera-se que o sr. Ministro Manuel Pizarro e o Governo façam o mesmo, para bem do SNS, dos profissionais e dos cidadãos doentes que a ele recorrem.