Entre os grandes desígnios do Serviço Nacional de Saúde (SNS), estão a promoção da saúde, a prevenção da doença e a adopção de hábitos de vida saudáveis. A prevenção e promoção da Saúde e a adopção de hábitos de vida saudáveis, parecem ter perdido espaço de intervenção, face às solicitações imensas para o “tratar as doenças”. Hoje quase poderíamos dizer que há “Centros de Doença” e não “Centros de Saúde”! Mas não podemos perder o foco preventivo, numa perpsectiva de Saúde Pública moderna e “cautelosa”.

Trabalhar a prevenção é importantíssimo, proporciona qualidade de vida, economia em internamentos e medicação prolongada, mas só tem impacto e apresenta resultados de forma demorada, tardia, muitas vezes uma geração depois, e o poder político não se compadece com isso, quer resultados imediatos e por conta, cria políticas e prioridades, onde o retorno e os resultados são imediatos, traduzindo-se em resultados políticos, assentando na iliteracia em Saúde.

A doença hoje tem outras dimensões, causando também muita dor e sofrimento prolongado com diminuição clara da qualidade de vida, a que é preciso dar resposta com todas as armas que temos ao dispor e ao nosso alcance: profissionais altamente qualificados, conhecimento científico, técnicas muito evoluídas e medicamentos/química de última geração, a par de uma tecnologia de ponta, quer no diagnóstico, quer no tratamento.

Com a “reforma” anterior dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), foram criadas as Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC), com um plano de acção, definido em actividades, onde a prestação de cuidados de saúde são de forma personalizada, domiciliária e comunitária. Este compromisso assistencial das UCC, foi e é uma mais-valia, na resposta dos CSP ao Cidadão Utente, à Família, à Comunidade e a Grupos, numa carteira de serviços elaborada e contratualizada, tendo presente o “Plano Nacional de Saúde” e também o plano de acção do Agrupamento de Centros de Saúde (extinção com a nova legislação) ou Unidades Locais de Saúde (ULS) onde está inserida e, o próprio “Plano Local de Saúde”.

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De salientar que as UCC foram regulamentadas pelo Despacho nº. 10143/2009, e nunca mais transitaram, apesar das inúmeras promessas políticas, para uma regulamentação jurídica de um Decreto-Lei, e já lá vão quase 15 anos, continuando a serem prejudicadas quer em reconhecimento, quer em incentivos que são atribuídos a outros profissionais que trabalham nas Unidades Funcionais, como as Unidades de Saúde Familiar (USF) e que em inúmeros casos estão contíguas às UCC. Um desrespeito completo e uma injustiça plena por estas Unidades Funcionais e seus Profissionais!

Mas apesar das “inúmeras pretensas reformas”, os CSP continuarão a ser a entrada e o grande suporte do SNS, na prevenção e na promoção e adopção de hábitos de vida saudáveis, na resposta às actuais necessidades de doença do Indivíduo, Famílias, Grupos e Comunidade. É impossível ignorar esta necessidade e realidade. No âmbito destas respostas, quer na prevenção e promoção da saúde, quer no tratamento ou reinserção e recuperação, as UCC são as Unidades funcionais ajustadas a este desempenho no terreno e, com certeza que, com as alterações epidemiológicas da População e da “geomobilidades” que se registam e atravessam todas as Comunidades, Portugal não foge à regra, e aqui estas Unidades terão que perceber as mudanças, adaptar-se com meios e recursos, para uma efectiva resposta às necessidades da População, quando solicitado.

Sendo esta uma verdade/realidade insofismável da intervenção e importância das UCC, a actual implementação das ULS em todo o país (pelo D.L.-102/2023 de 7 de Novembro, a produzir efeitos a 1 de Janeiro 2024), parece querer perverter esta evidência, criando uma filosofia “hospilatocentrica”, como que parecendo querer criar um parceiro menor, os CSP e as suas Unidades Funcionais. A manterem-se as ULS, em termos de órgão de gestão, entendemos também que, tal como têm dois directores clínicos, um para os Cuidados Hospitalares e outro para os CSP, também deveria acompanhar os Enfermeiros Directores, nesta mesma filosofia de direcção e administração.

Com a actual “reforma” (tentativa de reforma do SNS), em vez de se dar resposta às reais necessidades e lacunas das Unidades existentes, potenciando-se a capacidade instalada em muitas respostas, como é o caso das UCC/CSP, criam-se em contra ciclo ULS, algumas delas de dimensão gigantesca, que nos parecem ingovernáveis e retiram o foco do utente, para o foco economicista, autênticos elefantes brancos e que não respondem cabalmente às necessidades primárias das Populações. Duvidamos nós, da verdadeira capacidade para a integração de cuidados, podendo proporcionar e prejudicar na estrutura e no investimento os CSP, os Cuidados de Proximidade, na verdadeira aproximação de cuidados de saúde e não na diferenciação, criando estigmatização desses mesmos cuidados.

No Congresso da Associação das Unidades de Cuidados na Comunidade (AUCC), que decorreu em Évora nos passados dias 21 e 22 de Março, constatou-se, de forma transversal, pelos trabalhos apresentados quer nas investigações, quer nas comunicações, o potencial de trabalho que se desenvolve, com ganhos efectivos em Saúde, junto das Populações. Por outro lado, foi também referido e reforçado, as dificuldades amplamente conhecidas e difundidas e o desinvestimento, por parte do Governo, em políticas abrangentes e valorização dos CSP.

Outro dos problemas vigentes, prendem-se com a dificuldade de fixação e carência de Profissionais (Enfermeiros, Médicos, Fisioterapeutas e Psicólogos) nestas Unidades, face às reais necessidades de resposta, por se apresentarem carreiras desmotivadoras e falta de contratos e incentivos, que mobilizem os Profissionais. Não sabemos se com a intervenção das Câmaras Municipais, na contratualização de programas e projectos ou Profissionais, poderão de certa forma colmatar esta realidade! Porque, por aqui, poderá surgir outra porta: o Municipalismo na gestão da Saúde!

Ganhos em Saúde é o que todos desejamos. A magnitude do trabalho a desenvolver não diminui em nada a ambição das UCC fazerem o que já fazem e passarem a fazer mais e melhor. O trabalho é vasto, engloba complexidade, vulnerabilidade e risco, mas os seus Profissionais estão à altura dos desafios, que são muitos. Assim surjam os investimentos e haja coragem da nova Ministra da Saúde e do Governo, para a prioridade de auscultação, investimento e implementação dos estímulos e decisões que urgem em acontecer.