Antes de mais e para que dúvidas não haja, declaro-me uma Portista ferrenha e uma responsável cumpridora das regras sanitárias no que à Covid diz respeito. Não estou também, neste momento, tolhida pelo medo e procuro informar-me devidamente junto dos especialistas da área acerca da lógica e correção dos meus juízos e conclusões. O seu a seu dono e os médicos especialistas são os únicos donos de opinião válida e informada.
Assim, sinto-me à vontade para afirmar o que aqui vai, sem pejos e sem pruridos. Não, os festejos do Sporting não trouxeram nenhuma loucura de Covid a Portugal. E não, a final da Champions não é, de qualquer perspectiva, comparável com os festejos do Sporting.
É facto que a festa do Sporting foi organizada com a autorização da Câmara de Lisboa, o aval da DGS e do Governo, sem regras nem cuidados e sem rei nem roque. E isto aconteceu porque câmara e Governo – como nos vêm habituando – agiram com o objectivo exclusivamente populista de não hostilizarem os campeões que não conceberiam que o título conquistado, ao fim de 19 anos de míngua, não pudesse ser devidamente festejado. Isto dito, a realidade é que, como previam alguns especialistas com quem na altura troquei impressões, esta festa, tendo aumentado os casos activos e os contágios na zona de Lisboa e Vale do Tejo, não fez aumentar casos em UCI e/ou número de mortos.
Ainda que depressa o Governo se preparasse para dar ordem para desviar vacinas do resto do país para salvar a capital, em clara situação de benefício do infractor – que Deus nos livrasse de ter de sofrer medidas iguais às do resto do país -, a verdade é que o problema sanitário que daí resultou não foi de monta ou de longa duração. Já o problema do que passou pelas cabeças dos demais portugueses sobre as medidas a que continua sujeito, a profunda sensação de injustiça, de falta de equilíbrio e coerência de que se ressentiu, essa sim, deixou mossas. O nobre povo, habituado a obedecer e a conformar-se com medidas sem sentido e sem fim, sem sequer as questionar, questionou-se. O prisioneiro do medo – o maior inimigo da liberdade – que aceita até que a culpa de todos os males que aconteceram e acontecem neste país seja sua, que se fez subserviente ao Governo e delator dos perigosos incumpridores escrupulosos das medidas impostas, para que sejam exemplarmente castigados, indignou-se com tamanha injustiça.
E este foi o grande, enorme problema dos festejos do Sporting: não foram os sportinguistas, porque quando se ganha um campeonato assim, vale tudo para comemorar. E se nos põem à porta do estádio ecrãs gigantes a transmitir o jogo e carrinhas com DJ’s a animar a festa, não é com certeza com o intuito de que todos fiquem em casa a assistir, a imaginar que lindo que era se eu pudesse lá estar. É que se há coisa que os sportinguistas sabem é por que não ficam em casa!
A responsabilidade é de um Governo de incoerências e sem critérios, que contou e alimentou sempre o medo como forma de controlo das populações e que, de repente, cria ventos de revolta com um simples acto de carácter puramente eleitoralista.
Mas veio agora, no passado fim-de-semana, a final da Champions League no Porto. Com tudo o que a rodeou, com os adeptos de ambas as equipas, não é comparável com o que se passou com as comemorações do Sporting. E não é, por um sem número de razões. Sendo certo que a injustiça é a mesma para os aficionados portugueses e os nossos clubes, há neste caso uma panóplia de factores redutores do risco e promotores da economia que no caso do Sporting não existiam. Desde logo, a promoção do país e da cidade no estrangeiro que uma final da Champions potencia (quem já tinha ouvido falar de Gelsenkirchen, antes do Porto ter ganho lá a final da Champions?); já os festejos do Sporting não têm qualquer relevância nesse aspecto. A existência de cerca de 500 voos entre Inglaterra e Portugal, no espaço de três dias, implica uma avalanche de turistas, nem todos feios, porcos, maus e alcoolizados, mas seguramente todos com poder económico para pagar bilhete para um jogo destes, a viagem e a estadia inerentes e para regressarem com as famílias ou amigos noutro registo para conhecer melhor a cidade; os festejos do Sporting foram internos e maioritariamente cingidos à área de Lisboa, sem qualquer mais valia para a economia nacional ou da região.
Por outro lado, os Ingleses estão muitíssimo avançados no seu plano de vacinação, abrangendo já as pessoas a partir dos 30 anos (que corresponde, seguramente, a uma parte significativa dos adeptos que cá estiveram) e todos testaram pelo menos 48 horas antes de chegarem a Portugal; na data dos festejos do Sporting andávamos a vacinar pessoas entre os 65/70 anos com a primeira dose de vacina e só testou quem quis, já que nada foi determinado por qualquer entidade pública como condição para o ajuntamento das comemorações. Os Ingleses podem não ter vindo em bolha (até porque ninguém sabe muito bem o que isso é), mas estiveram em grupos, mais pequenos ou mais alargados, mas entre si e com pouco contacto com os nossos conterrâneos; e já foram embora para terras de Sua Majestade, onde irão (ou não) propagar os vírus que cá tenham encontrado; no caso do Sporting, os adeptos, voltaram para as suas casas, para os seus trabalhos, para as suas famílias e os seus amigos, pelo que, a existir propagação do vírus, esta seria sempre cá em Portugal e, como se tem visto, localizada na zona de Lisboa e Vale do Tejo.
É bom de ver que as duas situações são absolutamente incomparáveis e só por clubite aguda ou triste infantilidade política se podem confundir.
E a realidade é que ambas as situações só vieram demonstrar como muitas destas limitações à nossa liberdade, muitas destas imposições de horários, modos de trabalho e funcionamento de estabelecimentos, ainda por cima em permanente e incompreensível mutação, já não prosseguem qualquer objetivo sanitário ou de saúde pública.
Então, perguntamo-nos, porque se prolongam no tempo até ao infinito? Porque perdemos a capacidade de análise, de crítica e de indignação. Porque o medo veio para ficar e tem de ser alimentado, sob pena de nos lembrarmos um dia destes de qualquer coisa como querer a nossa liberdade de volta…