Da última vez que escrevi que os políticos portugueses eram mal pagos tive um rol de críticas dos leitores. Mas mantenho a minha convicção. E explico-a. Os governantes portugueses, em geral, e os deputados, em particular, ganham pouco. E depois socorrem-se de uns subsídios e artimanhas para somar mais uns trocos. Foi o que aconteceu agora com Barreiras Duarte e já se passara com Sónia Fertuzinhos, Inês de Medeiros entre tantos outros conhecidos e muitos mais desconhecidos. São subsídios que ninguém controla depois da declaração (por palavra de honra) feita no início de cada mandato. E que têm tanto de legais, como, geralmente, de imorais.
Só no ano passado, segundo o JN, o Parlamento gastou 1,6 milhões para os deputados irem a casa. Desde o início desta legislatura, já lá vão 3,7 milhões. Mas a estas viagens à terra (umas reais, muitas virtuais) é preciso depois somar outros pozinhos. Cada um dos 230 eleitos tem direito a até cinco subsídios, desde ajudas de custo por dia de trabalho no plenário ou em comissões, a apoios a trabalho político no seu círculo eleitoral ou fora dele. A ‘coisa’, com umas décimas estranhas, pode ir de 23,05 a 69,19 euros por dia, mais 0,36 ao quilómetro.
Em abono da verdade, é preciso dizer que estes subsídios existem desde (quase) sempre. Que nenhum partido ou Governo ainda quis legislar contra eles. Que fazem parte de uma daquelas unanimidades raras pelos maus motivos. Do género das do financiamento partidário, que Marcelo promulgou apesar da objeção de fundo, argumentando que a sua posição, e a do CDS neste caso, era ultraminoritária. É que aumentar os salários para valores mais próximos da média europeia, com regras claras para as ajudas de custo — como fez o Reino Unido e vale demissões até na despesista Grécia –, seria impopular e teria contestação com grande peso eleitoralista (a avaliar pela minha caixa do correio). Mas era bem mais transparente e acabaria com trapaças.
A esta altura já devem estar a pensar que me estou a desfocar. A desviar-me do ponto. Como posso defender que 3426,48 euros de salário base bruto (tabelas de 2017) seja pouco num país onde a média dos ordenados está abaixo dos mil euros? Como posso defender aumentos para quem passa a vida a arranjar maroscas para receber mais? Como posso defender mais dinheiro para aqueles que acham ético e normal aceitar viagens à borla de empresas que tutelam e convites para a bola de clubes com quem mantêm litígios? Como posso defender que sejam mais bem pagos os que enfeitam o currículo para ganhar estatuto para o futuro ou simplesmente para se enfeitar no pressente?
Pois aí é que está. Eu não os defendo. Quero é livrar-me deles. Dos que nos querem enganar. Dos que nos enganam. Dos que manobram nos bastidores. Dos que traficam influências. Dos que fazem trafulhices. Dos Barreiras e dos Relvas! Dos que pupularam em redor de Sócrates. Dos que vão para a política não só para ganhar dinheiro nela (alguns ilicitamente como se sabe), mas também depois dela (que são os piores).
Os grandes políticos por vocação são uma classe em vias de extinção ou mesmo já extinta. Os que punham os interesses do país e do mundo acima dos seus são talvez até um mito urbano. Agora quem governa fá-lo por si, pelos seus amigos e pela sua sobrevivência política, social e profissional. Podemos ter dois ou três políticos razoáveis, meia-dúzia de políticos astutos, duas mãos cheias de políticos a tentar a sua sorte. Mas a maioria, a grande grande maioria, são políticos oportunistas.
Por isso os governos precisam, como nunca, de juntar aos poucos políticos dignos desse nome, grandes gestores, administradores, economistas, juristas e outros especialistas que ajudem a gerir o país. E isso só se consegue pagando como lhes pagam as grandes empresas, os escritórios de advogados, os bancos. Lembram-se de como Manuela Ferreira Leite foi criticada quando foi buscar Paulo Macedo para a Direção Geral dos Impostos a preços fora da tabela? Ui, o escândalo!… Mas também se lembram dos resultados que obteve? Ah pois é!… Por isso Costa não teve problemas em colocá-lo agora a reformar a CGD esfrangalhada por tantos ao longo de tantos anos.
Lamento, mas pagando-se mal tem-se quem nada vale. Só pagando melhor se pode ter os melhores. E só os melhores expulsam a ralé.
Só mais duas ou três coisas
- Costa não percebeu. Mas há uma grande diferença entre ele e Marcelo. Quando Marcelo tira selfies e dá beijinhos, abraça velhotes e dá colo a crianças, parece natural. Quando Costa veste o fato de fim de semana e pega seis minutos e 47 segundos numa roçadeira para cortar mato, numa ação com mais 20 governantes, só parece aquilo que é: uma encenação. Para o boneco e para o dossier da desculpabilização futura.
- Vamos lá agora festejar o tal menor défice da Democracia, descontando, claro está, a recapitalização da Caixa. É bom. Até a pessimista Teodora Cardoso aplaude. Mas a carga fiscal, ao contrário do prometido, continua a subir: já é a segunda mais elevada desde 95, quase ao nível do ano do brutal aumento de impostos de Vítor Gaspar. Os ‘malandros’ dos impostos indirectos, aqueles que ninguém vê mas paga, como o IVA, estão em 15% do PIB: dois pontos acima da média do que vinha acontecendo. E, imagine-se!, a despesa com os pagamentos à Função Pública atingiu um mínimo histórico. Tudo isto no Governo mais à esquerda de sempre e sem contestação. É obra! Celebremos então.
- Em janeiro, 39 hospitais receberam 500 milhões para pagar uma pequena parte das dívidas que têm aos fornecedores. Em fevereiro o ministério das Finanças ainda mantinha a verba congelada e não dava datas sobre quando poderia ser usada. Depois Mário Centeno veio falar em má gestão e Adalberto Campos Fernandes lá teve de concordar. Agora o ministro da Saúde até foi obrigado a garantir que a estrutura de missão através da qual as Finanças vão controlar as contas do SNS é uma ideia sua e não uma submissão ao seu colega do Terreiro do Paço (não fosse alguém pensar o contrário). Mais um exemplo de controlo orçamental de aplaudir. Com os parceiros da esquerda radical caladinhos.