País bem
Começo pelo que está bem (ou tem melhorado) na economia. O crescimento económico de 2022 e o arranque no primeiro trimestre de 2023 confirmaram a trajetória positiva da economia portuguesa desde a crise da dívida, apenas interrompida pela pandemia Covid-19. Este crescimento tem sido alimentado pelo crescimento das exportações e não pela procura interna. O facto de as exportações serem o motor do crescimento aumenta a probabilidade de estarmos a viver uma fase de transformação estrutural da economia. À medida que aumenta a importância das exportações para as empresas, aumenta a pressão para melhorarem a sua competitividade e para inovarem., o que acelera a transformação estrutural da economia. Assim, surpreende-me que muitas vozes, que durante anos chamaram a atenção para a importância do crescimento das exportações, não salientem o sucesso que hoje estamos a viver nesta dimensão.
O atual Governo tem muito pouco mérito nestes bons resultados. O crescimento das exportações, mais acentuado desde 2010, reflete essencialmente as melhorias do nosso tecido empresarial, em particular a ação dos empresários, que muito beneficia do grande investimento em educação ao longo das últimas décadas. A resposta que o setor do turismo tem sabido dar à procura, aumentando a oferta e melhorando a qualidade dos serviços, é disso um excelente exemplo. Já pensaram na quantidade e qualidade de cozinheiros e cozinheiras que têm de existir em Portugal para saciar os milhões de turistas que se deliciam com a nossa gastronomia?
Ainda na dimensão da integração internacional, é importante destacar os números da imigração, que permitiram a inversão na redução da população que se registava desde 2009. De facto, desde 2019, graças aos fortes influxos migratórios (118 mil em 2022) a população portuguesa voltou a crescer. A imigração, como sabemos há muito tempo, é a única solução para vencermos o enorme desafio demográfico que temos pela frente. No entanto, a entrada de imigrantes tem de ser acompanhada de políticas de integração, sob pena de vir a criar problemas graves no futuro.
O outro bom resultado a destacar na economia portuguesa é a consolidação das finanças públicas, com uma redução muito significativa do peso da dívida no PIB. O crescimento económico e o enorme aumento do emprego, que atingiu o valor mais elevado desde 2009, permitiram que a receita dos impostos ultrapassasse todas as previsões do Governo. A inflação também deu um grande contributo para o aumento da receita e para a redução do peso da dívida no PIB.
O Governo não tem méritos naquele aumento da receita, mas tem a responsabilidade de tê-lo aproveitado para reduzir o défice orçamental e a dívida pública. Muitos criticam essa opção, defendendo uma maior redistribuição para repor a perda de poder de compra de muitas famílias. Num cenário de forte crescimento económico, ao optar por reduzir a dívida pública, o Governo escolheu reduzir a sobrecarga de impostos das gerações futuras. A meu ver, o Governo esteve bem, num contexto de aumento das taxas de juro, ao enviar um sinal aos mercados do seu compromisso com a redução da dívida pública.
Na governação propriamente dita destaco o alargamento das competências das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR). Entre um Estado muito centralizado e ineficiente e um poder local muito fragmentado, o reforço das competências das CCDR é um passo no sentido certo. Esperemos que haja capacidade dos atuais líderes das CCDR para levarem esta alteração legislativa à prática.
País mal
Os bons resultados acima descritos convivem com um mal-estar de uma parte significativa da população. Uma parte desse mal-estar é explicado pelos efeitos da inflação no custo de vida. Os níveis elevados e persistentes da taxa de inflação, em certa medida inesperados, resultaram numa redução média de 4% dos salários reais em 2022. O aumento das taxas de juro pelo BCE, para combater a taxa de inflação, refletiu-se num aumento das taxas Euribor e nos custos das prestações mensais do crédito à habitação de muitas famílias, e também nos custos com juros das empresas. O aumento da inflação e das taxas de juro não é culpa do Governo, que tem aliás procurado tornar claro que as taxas de juro mais elevadas são culpa do BCE.
Outro problema que tem gerado muita discussão pública é a dificuldade de acesso à habitação, sobretudo para os mais jovens, nos maiores centros urbanos. Neste caso, o Governo tem gerido o problema com os pés. As causas da subida dos preços são várias, estando essencialmente associadas aos fatores económicos positivos associados acima, com destaque para o aumento da população desde 2019. O setor da construção tem priorizado a grande procura associada ao turismo, à reabilitação, à eficiência energética dos edifícios ou de espaços empresariais. Estes mercados são mais interessantes e com menor risco do que a construção de prédios para a classe média, que financia a aquisição de habitação com crédito. A solução do problema da habitação terá de passar por incentivos ao aumento da oferta da construção civil para o segmento da classe média, que foi totalmente ignorado no programa ‘Mais habitação’, recentemente aprovado no Parlamento.
O que está mesmo mal é o funcionamento da generalidade dos serviços públicos, da saúde à educação, passando pelos transportes públicos. Que um governo socialista, que andou de mão dada com a extrema esquerda durante 5 anos, não perceba o funcionamento das leis do mercado, não surpreende. No entanto, seria de esperar que fosse capaz de conter a deterioração dos serviços públicos em áreas essenciais. Quase oito anos depois, na área onde um governo socialista podia fazer a diferença, é onde apresenta os piores resultados e onde a sua responsabilidade é mais evidente.
Os portugueses não estão satisfeitos com o estado da Nação. No entanto, a contestação em diversos setores da sociedade é um sintoma de que os portugueses voltaram a ser exigentes e a ambicionar mais. Infelizmente, o Governo continua muito aquém das expectativas dos portugueses.