Há que começar este artigo pelo princípio. Como já referi num artigo anterior, o próprio nome deste partido deveria causar prurido a quem ponderadamente o analise. É que um partido que grita, e reforço “grita”, ser defensor e unificador da natureza, começa por fragmentá-la no seu próprio nome, em “pessoas, animais e natureza”. Não fosse o próprio nome ser um erro básico de biologia, até poderia a sigla ser a onomatopoeia francesa “PAN-PAN”, ironicamente utilizada como descrição do som de um tiro ou de um golpe, em equivalência à onomatopoeia inglesa “BOUM”.
Desde que o PAN iniciou a sua política proibicionista, narcisista e déspota, rapidamente nos apercebemos que tem tanto destes atributos como de ignorância. O problema é que, não reconhecendo a sua condição, tenta legislar sobre coisas que nem sabe identificar, e que mistura erradamente no mesmo saco. Saiamos do campo teórico e vejamos alguns casos práticos, utilizando as imagens que o PAN colocou nas suas redes socias, algumas já removidas após os olhares críticos recentes do público, como aconteceu com fotos que referi num artigo anterior, mas que, por cautela, fiz questão de armazenar, para ajudarem a contar a história.
A primeira diz respeito a um projeto de resolução que data de 2019, recomendando ao Governo que instituísse um regime de moratória temporário para a caça da rola-comum. Sobre o tema da interrupção propriamente dita não me vou pronunciar, porque de facto não temos dados suficientes que correlacionem a atividade cinegética com o decréscimo de uma espécie que é migratória. Apenas quero alertar para que, se o PAN usa uma tese de doutoramento, e bem, como referência das suas afirmações, devia também ter dado nota de uma frase esclarecedora que consta nessa mesma tese de doutoramento de Susana Dias (2016), e que passo a citar: “Todo este trabalho não poderia ter sido feito sem a participação dos inúmeros caçadores, proprietários e gestores de caça, um pouco por todo o país. Com quem me cruzei nas 26 zonas de caça onde os dados foram recolhidos, agradeço as histórias das caçadas, os truques para o sucesso, a doação do produto da caçada à ciência, a curiosidade e a partilha das suas motivações, frustrações e petiscos.” No mesmo documento se reconhece, e bem, que “persistem em aberto inúmeras questões básicas da sua demografia e ecologia e da pressão cinegética”. À parte deste documento muito meritório, que não é obviamente o assunto deste texto, quero apenas deixar em nota que o PAN não se coibiu, mais uma vez, de usar tendencialmente as cruciais evidências da importância da atividade cinegética.
O problema está na ousadia do PAN em emitir um projeto de resolução sobre uma espécie tão importante e icónica como a rola-comum (Streptopelia turtur), sem, e atentem a isto, sequer saber reconhecer a espécie. Vemos na figura em cima uma imagem divulgada pelo PAN nas suas redes sociais. A imagem não precisaria de legenda, não fosse a possibilidade de algumas pessoas desconhecerem o problema. É que na imagem são mostrados dois exemplares, não de rola-comum (Streptopelia turtur), mas sim de rola-turca (Streptopelia decaocto), uma espécie “não-cinegética”, e cujas diferenças morfológicas e de plumagem são tamanhas que um jovem miúdo de 6 anos que tenha alguma vez calçado umas botas de borracha e ido para o campo saberia distinguir.
Vejamos outro exemplo da mesma ordem de inépcia, também divulgado pelas redes sociais do partido PAN, relativamente a outro projeto de lei, este relativo à proibição do “tiro ao voo”, uma iniciativa do PAN para o conectar à atividade cinegética, muito embora seja uma modalidade desportiva, não diretamente ligada à atividade cinegética, e em que Portugal é Campeão do Mundo. Mais uma vez há que notar que nesta atividade desportiva se utilizam exemplares de pombo-comum (Columba livia), espécie considerada praga e reservatório de várias doenças, e que são objeto de controlo de densidades pelas freguesias. Contudo, na imagem em cima, divulgada nas redes sociais do partido, apresentam uma foto de um pombo-torcaz (Columba palumbus), espécie cinegética migratória e residente. Novamente, reservo os pensamentos e comentários para os leitores.
Recentemente, relativamente ao projeto modificado e que foi aprovado, impedindo assim que Portugal mantivesse o título de campeão do mundo, não correram o risco de utilizar uma fotografia de uma espécie, não fossem enganar-se novamente (provavelmente por não terem acesso a gente conhecedora das espécies selvagens de Portugal que os possa ajudar). Utilizaram uma imagem figurativa. Ora, tal como fizeram recentemente com a figura do Touro-bravo, isto demonstra uma Disneylização da biodiversidade, incompatível com a sua real dignidade, com o seu conhecimento, e com a mensagem de conservação que interessa veicular. A relevância e o esplendor das espécies animais selvagens é tal, que devem ser fielmente reproduzidas, de preferência fotografadas, por forma a preservar todas as suas características. Utilizar um boneco para representar uma espécie é de tal forma redutor da Biodiversidade que, se não fosse de um partido político com assento parlamentar, poderia perfeitamente julgar tratar-se de um livro infantil. Deixo por fim, um pequeno ensinamento aos senhores deputados do PAN, utilizando esta imagem como exemplo: as aves não têm sobrancelhas.
Não consigo encontrar nenhuma proposta animalista deste partido que não esteja tingida por este tipo de erros, que têm tanto de anedótico, como de preocupante. Partilho convosco uma história que vivenciei no meu 5º ano de escolaridade, em que um colega meu, tentando copiar as minhas respostas numa prova, acabou por copiar também o meu nome. Desde então, utilizava este caso como o exemplo da maior trapalhada e imperícia que conhecia na vida. Hoje utilizo o PAN.
Poderia estar aqui horas a descrever outras situações, mas, em vez disso, partilho convosco esta página. Tem como primeira frase a pretensão de “sancionar na lei a utilização de venenos no âmbito da atividade da caça”, ignorando o PAN que os venenos já são expressamente proibidos, pelo menos desde a Convenção de Berna do COE – proteção da vida selvagem e do ambiente natural na Europa, que data do século passado. Cada parágrafo nesta página é um tesouro para qualquer comentador como eu, mas vou apenas citar os exemplos mais sensacionais: “em termos legais há uma grande disparidade de tratamento e fiscalização entre a produção de animais de pecuária e os provenientes da atividade cinegética”, uma completa e preocupante mentira. Tratando-se de questões de saúde pública, um partido deve ter a função de preservar a correção da informação. Esclareço que não há inspeção em caça, sempre que o pressuposto é o consumo próprio, e cumulativamente não seja a caçada realizada numa zona de risco para a saúde pública, tal como não há inspeção no porco, galinha e pato que se abate para consumo próprio, ou a venda de um pequeno número de exemplares estabelecido na lei. Quando, na sequência de um ato venatório, a carne tem como fim a venda em grandes quantidades, entra na cadeia de inspeção, tal como a carne de qualquer outra origem animal ou de abate. Isto está consagrado na lei e pode ser facilmente percebido neste artigo.
Não resisto a partilhar convosco mais um parágrafo: “… os cães funcionam como arma usada contra o animal a ser caçado, isto porque é da luta entre os cães e a presa que resulta a morte ou quase morte desta. Esta situação consubstancia uma verdadeira incoerência legal, visto a luta entre animais já ser proibida em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de Outubro.” Em primeiro lugar, há que explicar a quem redigiu este parágrafo, que obviamente nunca viu um ato cinegético, que os momentos em que os cães chegam a contactar fisicamente com a espécie a ser caçada são absolutamente residuais, arriscando-me a dizer que se situam muito abaixo de 1%. E este tipo de contacto nem sequer é pretendido pelo caçador, tendo em conta que obviamente podem decorrer lesões para os seus cães, o que não lhes interessa.
Depois, atentar num conceito delicioso de “quase morte” que, se não fosse de pura ignorância e contrassenso, até seria um contra-argumento, já que o seu conceito teórico pressupõe uma “sensação de serenidade”.
Terminemos com a relação deste evento raro (o contacto físico de um cão de caça com a sua presa viva) na atividade cinegética com “luta entre animais”, utilizando uma lei que nada tem a ver com atividade cinegética, mas sim com cães de raça potencialmente perigosa, e com as lutas promovidas entre cães para fins lúdicos. Nesta ordem de asnice, chego honestamente a pensar que o PAN acredita que todas as cadeias tróficas são assentes em dietas vegetarianas ou que a predação de um animal pelo outro resulta de negociações entre elas, em troca de orçamentos de estado.
Finalizo, o exercício prático mostrando a capa, da tal página que tenho estado a referir. Perdoem-me tê-la deixado para o final, mas o melhor deixa-se geralmente para o fim. Naturalmente, o PAN não tem ideia do que é um coelho-bravo de Portugal (Oryctolagus cuniculus algirus), mas infelizmente para eles, eu tenho. O que vemos na foto não é um coelho-bravo da única subespécie existente em Portugal, nem tão pouco é um coelho-bravo Europeu. Surpreenda-se, trata-se de um belíssimo exemplar de Eastern cottontail (Sylvilagus floridanus), uma espécie que não existe na nossa península, pois é o coelho da Flórida, portanto existente no continente Americano.
Para os poucos exemplos que mencionei aqui, a avaliação a dar é o tamanho amadorismo e a pura ignorância, profundamente anacrónica já que a informação disponível é atualmente tanta. Com um pequeno esforço, estes erros seriam facilmente evitados, mesmo por quem desconhece por completo o mundo rural e a biodiversidade. Termino, oferecendo-me pro bono para rever todos os projetos do PAN nesta temática. Faço isto por dois motivos principais: pelo bem público, tendo em conta que aquilo que o PAN faz neste momento é divulgar informação errada e errática acerca da biodiversidade, e porque a gente do mundo rural é formada por pessoas resilientes e habituadas a combater grandes desafios e grandes adversidades, levando o país para a frente de forma muito digna, e neste momento o PAN, com estes e outros erros que aqui referi, não é digno de merecer o seu tempo de discussão.
Acabo, lançando um repto ao PAN, nesta minha onda de generosidade, que se associem aos projetos de conservação do lobo-ibérico, do lince-ibérico e do abutre-negro. É que, a avaliar pela forma como têm confundido espécies, facilmente usariam os números dos cães, gatos e pombos errantes, na contabilização dos exemplares daquelas espécies, e assim, teríamos ainda mais sucesso nos projetos de conservação daquelas espécies!