‘Estamos a assistir à morte do capitalismo’ – foi assim que eu dei pelos primeiros comentários no twitter aos Panama papers. Continuei a minha vida sem correr a ver o fim do capitalismo, que sempre que surge um tema quente nas redes sociais – tirando um atentado terrorista ou parecido (em que reajo logo e de seguida fico tempo demorado a receber insultos e ameaças por não ter o meu coração cheio de amor para com o islão) – continuo despreocupadamente a colocar links sobre a última violação por um gangue na Índia, ou as influências maoistas em Xi Jinping ou o último comentário jocoso que os meus filhos me dirigiram, durante várias horas até finalmente focar a minha atenção na agitação do momento.

Mas depois de muitos tuites ilustrando a ‘estocada final’ no e ‘o estertor’ do capitalismo, lá tive curiosidade (moderada) sobre o que o estava a matar. Assim de repente, lembro-me que o capitalismo morreu em 2008, em 2001 e com as crises bolsistas de 1987 e 1997, pelo que acho sempre as notícias da morte do capitalismo manifestamente exageradas.

Nos dias a seguir foi o que se sabe. Escândalo por um paizito qualquer presumir poder usar a sua soberania para decidir qual a taxa de impostos que cobra ou deixa de cobrar a quem tem negócios através do país. A bílis e a inveja foram exibidos ao som de trombetas contra os ricos (ainda anónimos). Uma esperança do PSD perguntava-se por que ainda não houvera uma intervenção militar no Panamá. (Porque qual é o curso de ação evidente face a um país que quer cobrar pouco impostos? É claríssimo e translúcido: bloqueio marítimo a estes meliantes, drones a largar bombas, corte de relações diplomáticas, invasão pelo exército. Isto tudo ali com a bomba de hidrogénio de reserva, não vão estes agressores internacionais começarem a oferecer um cabaz de Natal aos donos das cinquenta maiores offshores.)

(Esta seria mais uma oportunidade para comentar o estado da nossa direita – com revirar de olhos a acompanhar este ‘direita’ – mas hoje concentremo-nos noutro lado.)

Até que os Panama papers foram tornados públicos há dias e se verificou – grande surpresa – que a maioria dos envolvidos são políticos de profissão. E não é preciso ser dotado de imaginação hiperativa para perceber que para os políticos o maior uso das empresas offshore e dos paraísos fiscais é esconderem fundos obtidos através da corrupção. Ao contrário de outros grupos profissionais, que podem simplesmente (e legitimamente) querer pagar menos impostos sobre os rendimentos legalmente ganhos.

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Chegados aqui, vamos rever a matéria. À esquerda (onde incluo a direita alucinada nacional) clama-se atualmente muito contra o capitalismo, recomendando políticas estatistas e estatizantes que aumentam o tamanho e o poder do estado – o mesmo é dizer: aumentam o poder dos políticos – sobre a atividade económica capitalista, com os alegados bons objetivos de eliminar as desigualdades, exterminar os ricos, parar a exploração do homem pelo homem e outros clichés abundantes nos campos de jovens bloquistas. Como se um estado não potenciasse as possibilidades de corrupção à medida que cresce e tem mais dinheiro para distribuir.

E são os políticos – pessoas que à esquerda (onde incluo etc.) se supõem serem dotados de uma pureza e clarividência que conseguem endireitar todas as aleivosias do capitalismo – que afinal se descobre usarem a política para seus interesses próprios e privados e são os principais fregueses dos Panama papers, os tais que eram a morte do capitalismo. É caso para dizer que a ironia matou o socialismo (ou quase, que infelizmente este também demora a morrer).

Mas não vale a pena ter esperança em redenções ideológicas que, à conta dos Panama papers, nos façam desconfiar dos políticos e preferir um estado pequeno e controlável. Afinal Varoufakis, a mascote motard da extrema esquerda, recebe o pagamento das suas conferências através do paraíso fiscal de Oman sem que dor de alma ou contrição perpassem as consciências dos fãs. E por muitos políticos cubanos do regime castrista nos agraciarem com a presença nos Panama papers também não haverá hesitações no momento de elogiar o grande e inultrapassável Fidel, que até encanta os jornalistas tontos quando faz o aviso surpreendente de que morrerá um dia.

Vejamos o bom exemplo da Venezuela. Lembro-me de ver Francisco Louçã na TV, aquando de um plesbicito fantoche de Chavez, a elogiar a vitória de tão magnífico líder. E Louçã já tinha idade de o fazer por convicção, em vez de para imitar os ídolos militantes de Hollywood como Sean Penn, Michael Moore e Oliver Stone – todos grandes amigos de Chavez e do seu glorioso trabalho a escaqueirar a Venezuela.

Em 2013 o BE fez suas as palavras do Partido da Esquerda Europeia, informando que a Venezuela chavista era ‘caracterizada pela justiça social, solidariedade e outra redistribuição da riqueza, do acesso à educação, saúde e cultura’. E que ‘enquanto que na Europa a democracia está a falhar, na Venezuela a democracia participativa tornou-se num sinal de identidade’. (Estão a bater palmas?)

Como se vê, corre sempre tudo bem nas experiências socialistas, lideradas por esses semideuses que são os políticos amigos dos pobres. A Venezuela está finalmente liberta da tirania dos luxos capitalistas (aquilo que por cá chamamos bens de primeira necessidade). Estou certa que a comunicação social não deixará de pedir comentários ao BE e a Louçã sobre os bons sucessos daquele país. Afinal BE e Louçã nem andam escondidos, até apoiam o (des)governo.