Desde que, há já alguns dias, foi tornado público o relatório da Comissão para o Estudo de Abusos Sexuais de Crianças na Igreja, tem-se gerado um debate onde muitos temas em redor da sexualidade têm sido trazidos. A seu tempo, se a Igreja assim entender, discutir-se-á o celibato. Entretanto, se isso for considerado indispensável, fará sentido que se converse sobre as práticas sexuais entre membros adultos do clero. Mas, agora, o que é urgente é que falemos de pedofilia, na Igreja. No âmbito de instituições ligadas à Igreja. E com adultos que, fazendo parte dela, terão tido com estas crianças actos hediondos. Todos eles passíveis de uma leitura judicial. Todos eles configurados dentro do Código Penal.

A primeira questão que se coloca é que será altura de entendermos que actos destes representam um dano. Uma experiência de terror. Uma memória que persegue e que contamina todo o desenvolvimento subsequente. E as relações que, pela vida fora, se venham a organizar. Não é uma tentativa de homicídio. Mas trata-se de um atentado à vida. Que nunca se esquece. E que tem, por si só, um impacto desorganizador. Irreparável. E irressarcível.

Em segundo lugar, o abuso sexual sobre menores, já de si absurdamente grave, terá um valor ainda mais acentuado quando quem o protagoniza tem, por força da sua formação e das suas funções, mais responsabilidades, ainda, para o entendimento da absoluta gravidade destes actos.

A seguir, será, claro, fundamental que quem os protagonizou tenha a punição judicial indispensável. Mas receio que todos os mais recentes exercícios de perdão possam levar-nos a perder de vista que estes actos tiveram a conivência, pelo silêncio, de muito altos responsáveis da Igreja. Como jamais poderiam ter tido! Alguns deles, seguramente, que permanecem em funções de relevância significativa. E que terão sido responsáveis pela sua ocultação. Prova disso serão os mais de cem responsáveis destes actos que estarão, até hoje, em funções.

Não se trata, pois, de julgar crimes prescritos. Mas de denunciar e castigar quem os encobriu. Talvez a forma das vítimas começarem a ver reparada a sua dor se dê, então. Talvez o respeito que a Igreja reivindica comece aí.

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