Passos Coelho é o líder da direita escreveu João Marques de Almeida. De acordo na parte que respeita ao perfil de liderança de Passos Coelho. Já quanto à direita portuguesa há muito para discordar. Ou melhor para apurar. A começar pela pergunta óbvia: a direita quer ter líderes ou prefere obter atestados diários de bom comportamento passados pela esquerda? Por muito que me custe escrever isto creio que a segunda hipótese é a preferida.
Aliás na crescente excepcionalização da figura de Passos Coelho – e não tenho dúvidas que Passos Coelho foi o melhor primeiro-ministro português do século XXI – o que vejo para lá da expressão do reconhecimento que lhe é devido, é precisamente o sinal dessa ausência de projecto político no centro direita: atira-se para a frente com o nome do último homem que liderou no verdadeiro sentido do termo a direita e espera-se que a magia aconteça. Mas fulanizar um projecto político num homem por muito notável que ele tenha sido não é estratégia para vencer mas sim táctica para envolver a menoridade do presente no papel dourado das recordações.
Se por extraordinário acontecesse a esquerda deixar de ser governo (coisa muito diversa de deixar de ser poder) logo veríamos chegar à cena a peça “Reencontro com a mãe que não podia comprar bolachas ao filho em 2012, que passou a viver maravilhosamente entre 2015 e 2020 e agora está novamente na miséria” escrita pelo comissário-director da Lusa Nicolau Santos. Naturalmente o país público e publicado, político e apolítico, num frémito avisará que a democracia corre risco! E os artistas, senhores, os artistas a fazerem apelos à resistência e a anunciarem exílios?! Quem sabe o PCP ainda faz uma vigília retrospectiva de denúncia da destruição do ministério da Agricultura e logo uma onda de inquietação atravessará o país! E, como não, o Tribunal Constitucional despertará do seu torpor e passaremos a viver pendentes das suas declarações de inconstitucionalidade. (Aos fiéis pedem-se orações para que esse regresso à vida do TC ainda vá a tempo deste se pronunciar sobre a regionalização anunciada do mar por parte da região autónoma dos Açores!)
Aqui chegada a tal direita desdobrar-se-ia em sugestões sobre a necessidade de fazer socialismo, de fazer como a esquerda… e o líder, fosse ele Passos Coelho ou qualquer outro, aconselhado a “ouvir as pessoas”.
Dir-me-ão que com mais ou menos detalhe foi isto que nos aconteceu entre 2011 e 2015. Sim, mais ou menos. Mas o que nos espera é bem pior: é preciso ter em conta que 2011 não se repete pois o país passou de crispado a atolambado (escuso de referir o papel preponderante que o actual Presidente da República teve nessa degenerescência intelectual!) e de falido a ingovernável, se por governar se entender ir além da repartição, pelos diversos grupos de pressão, das verbas que se sacam aos contribuintes sejam eles portugueses ou europeus.
A direita pós-Passos de Marcelo e Rio teve como objectivo primordial fazer oposição a Passos Coelho. Começaram por alienar o legado dos seus governos – foi preciso Francisco Assis numa entrevista a Maria João Avillez dizer “Acho francamente que o país deve alguma coisa a Passos Coelho” para que se tornasse evidente o grotesco de tal estratégia – e acabaram a esfrangalhar a direita nos seus tacticismos
A política está agora reduzida à discussão dos montantes e dos cargos a repartir. Fora isso tudo é normal. A máquina estatal não só domina tudo como adquiriu camadas de comissões e comissários que manterão o poder do socialismo-corporativo por anos e anos independentemente dos resultados eleitorais.
Nos últimos anos o centro direita – ou se quisermos simplificar o espaço da não esquerda – viu certamente confirmados todos os seus receios sobre o governo de uma frente de esquerda mas constatou sobretudo que não tem voz. Seja na informação, no humor, na sociedade dita civil, no divertimento… não consegue sequer suscitar uma discussão quanto mais impor uma causa. Aquilo que feito por um governo de direita geraria uma onda de indignação, com os socialistas no poder e a extrema-esquerda em regime de colaboração com o executivo, produz pouco mais que um bocejo: o Governo passa por cima da decisão do júri que seleccionou a procuradora Ana Mendes de Almeida para a Procuradoria Europeia e nomeia o segundo classificado? Ora, ora vamos é discutir o Trump. Afinal se a culpa de Michelle Obama ter uma depressão é do actual presidente dos EUA por maioria de razão o afastamento de Ana Mendes de Almeida não se deve ao facto de ela ter investigado o Ministério da Administração Interna aquando do caso das golas anti-fumo mas sim a uma intervenção, do presidente dos EUA. Só pode!
A direita ficou sem líderes, sem voz nem programa. Isto parece-me incontestável. O que não sei é se a direita quer ter um líder. Ou se pelo contrário não começa a sentir como o seu espaço natural a oposição de secretaria. Escreve a este propósito o João Marques de Almeida: “Resta saber que direita regressará ao governo. Uma grande coligação com um PSD forte, liderado por Passos Coelho. Ou uma aliança entre o PSD de Rio, com cerca de 30%, e o Chega de Ventura, com cerca de 15%.”
Escusado será dizer que “uma aliança entre o PSD de Rio, com cerca de 30%, e o Chega de Ventura, com cerca de 15%.” não é uma aliança mas sim um suicídio assistido. Suicídio do PSD obviamente. Já “Uma grande coligação com um PSD forte, liderado por Passos Coelho“, admitindo que tal era viável – qual a percentagem para o Chega para que o PSD se possa ainda considerar forte? – coloca para mim a questão essencial: quanto tempo os eleitores dessa grande coligação suportariam um tal governo?
PS. Fomos informados que António Costa e Rui Rio estão a tratar da regionalização. Para já escolhem os candidatos a presidentes das cinco comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR). António Costa e Rui Rio não querem discussões em público sobre os candidatos para depois passarem tranquilamente para o passo seguinte. Ou seja a regionalização. Ao contrário do que nos tem sido dito estão a ser dados passos irreversíveis nesse caminho. Esta eleição é um passo que agora nos dizem sem consequências e que dentro de anos será apresentado como obrigando à regionalização.