Na passada quinta-feira, teve lugar em Lisboa a já tradicional edição anual da chamada “Cimeira das Democracias”. Trata-se de uma reunião de delegações de escolas do ensino secundário de todo o país (mais de 38 escolas, este ano, com cerca de 400 participantes), cada uma representando uma democracia, no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica (IEP-UCP). O orador convidado da sessão de abertura foi José Manuel Durão Barroso. O tema global deste ano foi “Patriotismo, Cosmopolitismo e Democracia”.
Como é sabido, o tema tende a definir os mais recentes confrontos políticos em inúmeros países europeus e nos EUA, além de outros lugares. Em regra, a tendência dominante tem sido para colocar em oposição o patriotismo e o cosmopolitismo. Em nome do patriotismo, argumentos nacionalistas atacam a colaboração e as instituições multilaterais. Em resposta, a defesa dessas instituições multilaterais, sobretudo a União Europeia, assenta frequentemente em argumentos supranacionais ou pós-nacionais, hostis ao sentimento patriótico.
Durão Barroso criticou ambos os pontos de vista. Apresentou uma vigorosa defesa da legitimidade do sentimento de orgulho patriótico — que distinguiu do ódio aos outros, característico do nacionalismo agressivo. Em contrapartida, criticou as interpretações supra-nacionais de alegados defensores das instituições multilaterais. E recordou a sua experiência de 10 anos como Presidente da Comissão Europeia — sublinhando que a dimensão nacional, bem como o sentido de equilíbrio e compromisso entre diferentes sensibilidades nacionais, estiveram sempre presentes na sua actuação.
Na véspera, ao final da tarde, Durão Barroso estivera também no IEP-UCP para discutir o novo livro de Nuno Sampaio, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, sobre Eleições na União Europeia. Sob a direcção de Helena Garrido, o debate em boa medida abordou o mesmo tema crucial: como encarar os valores distintos do patriotismo e do cosmopolitismo, sobretudo no interior da União Europeia. Também aqui, os intervenientes convergiram na defesa de uma desejável conciliação criativa entre patriotismo e cosmopolitismo. Nuno Sampaio referiu mesmo a necessidade de dar voz a um “patriotismo liberal’ que simultaneamente seja capaz de defender o sentimento nacional e a colaboração multilateral.
Subscrevo inteiramente esses pontos de vista. E gostaria de sugerir algumas possíveis consequências concretas que, a meu ver, deveriam decorrer da recusa da dicotomia infeliz entre patriotismo e cosmopolitismo.
Uma primeira consequência concreta deveria ser, de novo e apenas em meu entender, uma muito maior abertura às queixas das vozes que defendem o sentimento nacional. A ideia de que essas vozes exprimem apenas ignorância, ou xenofobia, ou a manipulação das redes sociais, deveria ser enfaticamente contrariada. Em rigor, trata-se de uma ideia vanguardista e não democrática. Em vez de aceitar a democracia como conversação e concorrência entre perspectivas rivais — onde por vezes umas vozes obtém a maioria, outras vezes a maioria é obtida pelas vozes rivais — a perspectiva vanguardista identifica a democracia com uma única voz (a sua).
Uma outra consequência interessante seria observar que uma das origens da revolta do sentimento patriótico reside na percepção (com a qual podemos concordar ou discordar) de que a vontade expressa pelos eleitorados nacionais está a perder relevância face às decisões de instituições não eleitas, designadamente multilaterais — as quais, por essa via, iriam adquirindo um carácter supranacional. Também neste ponto, julgo que a resposta deveria ser sobretudo de flexibilidade: respeitando basicamente a vontade dos eleitorados nacionais, e dando-lhes espaço para aprender com os seus próprios erros.
Posso admitir que estas recomendações de prudência e moderação não sejam particularmente cativantes para nenhuma das duas causas que se querem enfrentar com paixão crescente: a do chamado nacionalismo e a do chamado pós-nacionalismo supranacional. Lamento ter de advertir, no entanto, que, se as paixões rivais não forem urgentemente moderadas, a maior vítima pode ser uma terceira: chama-se democracia.