Charles Tilly, um dos grandes cientistas sociais do século passado, desenvolveu uma série de teorias e trabalhos sobre as origens dos Estados modernos assentes no papel da coerção, do capital e das cidades. Em 1989, querendo estudar como as suas teorias se aplicariam a vários territórios da Europa, organizou com o historiador Wim Blockmans um volume especial da prestigiada revista Theory and Society, onde reuniu vários especialistas de cada país, com o propósito de avaliar a relação entre os Estados, as cidades e o capital no grande período entre 1000-1800, em cada território. António Manuel Hespanha escreveu um artigo, principalmente descriptivo, convocando vários números e factos acerca da evolução das cidades e administração pública Portugesa.

No entanto, coube principalmente a Tilly realizar uma interpretação desses dados, colocando cada país em perspectiva comparada. O que nos diz Tilly sobre a evolução do Estado Português? “Num pólo muito distante dos monarcas Escandinavos ou Polacos, os reis Portugueses tinham a grande vantagem de obter grande parte da sua renda e crédito de uma única cidade, cuja vida os seus agentes dominavam. Da mesma forma, porém, a coroa portuguesa permaneceu vulnerável ao declínio do vigor comercial de Lisboa, e a oligarquia comercial de Lisboa manteve o poder nos assuntos reais. Mais do que na Escandinávia, Polónia, Alemanha, Holanda ou Itália, a situação de Portugal assemelhava-se à dos atuais estados produtores de petróleo: a receita fácil disponível dava aos seus governantes ampla autonomia em relação à população que governavam, mas também os tornou dependentes do fluxo continuado da receita e das pessoas que a produziam.” (tradução livre) Esta descrição de Tilly encontra-se perfeitamente em linha com a ideia de instituições extractivas, avançada por vários politólogos e economistas, como Acemoglu e Robinson, que apontam estas instituições como um dos grandes entraves ao desenvolvimento económico das nações.

Na linha de Tilly, não foram as ideias de soberania nacional ou nem mesmo de nacionalismo ou patriotismo (ideias muito recentes), que garantiram a nossa existência como país independente. Foi antes e, principalmente, os interesses de uma elite fechada, pouco produtiva e oligárquica, que rejeitou repetidamente a integração com outros reinos da Península Ibérica com a finalidade de manter o status quo, no qual o seu poder não era desafiado nem questionado, e de forma a não terem de competir com outros centros de actividade económica e outras cidades com influência política. O policentrismo parece ser, afinal de contas, uma das características do desenvolvimento dos países, mas é também (e por isso mesmo) ameaçador para um grupo fechado e dominante.

Naturalmente, estou a simplificar e apenas a apontar um padrão que considero importante. No entanto, creio que este padrão poderá explicar o receio em relação à inovação, à competição e à mudança ainda hoje existente entre esses mesmos grupos oligárquicos geralmente centrados em Lisboa. Querem um exemplo?

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Num mundo onde o combate às alterações climáticas é considerado uma das grandes prioridades dos governos europeus e onde a rapidez e fluidez de comunicação e transporte entre regiões parece ser também muito importante ao desenvolvimento, os executivos portugueses – nomeadamente o executivo de António Costa – reiteradamente rejeitam a possibilidade de construção de uma linha de alta velocidade que ligue Lisboa a Madrid. Ora, o leitor atente nos seguintes dados: a rota internacional mais viajada do aeroporto de Madrid-Barajas é Lisboa, com mais de 1.5 milhões de passageiros anuais, cerca de 18 ligações aéreas por dia em cada direcção, efetuadas por 5 companhias aéreas. Espanha é o um dos países com uma rede de alta velocidade mais avançada do mundo, sendo possível chegar rapidamente de Madrid a Barcelona em pouco mais de 2 horas, e chegando também rapidamente a cidades como Sevilha, Valência, Saragoça, Córdoba. No entanto, o governo português já veio dizer que não está interessado em construir a parte portuguesa de uma linha de alta velocidade entre Lisboa e Madrid. A posição do governo é curiosa: antes de construir uma linha Lisboa-Madrid, Portugal deve apostar numa uma linha entre Porto e Vigo e outra entre Aveiro e Salamanca. Ligar Lisboa e o resto do país à maior cidade da Península Ibérica e à segunda maior área metropolitana da União Europeia? Nem pensar!

As justificações apresentadas para este plano são múltiplas. Por exemplo, Portugal deve dar prioridade a uma ligação com a Galiza, uma “região com quem tem mais laços históricos”, um motivo, portanto, afectivo e não de racionalidade económica. Um artigo do Público, escrito durante a última cimeira ibérica em Novembro passado, aponta uma potencial explicação alternativa. De acordo fontes governamentais: “É esta oportunidade que Lisboa não quer desperdiçar em detrimento de ser apenas mais um eixo numa estrela de várias pontas que tem em Madrid o seu centro, deixando Lisboa ao mesmo nível de Sevilha, Valência, Barcelona, Alicante, Santiago de Compostela e, futuramente, Oviedo e Bilbau.”

Os leitores terão, porventura, outras interpretações. A minha é simples. Em linha com o argumento de Tilly e de outros cientistas sociais, existe um grupo de elites Portuguesas centradas em Lisboa com medo de uma maior integração com Espanha e com o resto da Europa, porque isso significaria mais concorrência económica, social, intelectual e tecnológica. Ficaria, rapidamente, a nu a sua fraqueza. Preferem, portanto, preservar os famosos “centros de decisão nacionais”, mesmo que estes tenham repetidamente falhado os interesses da maioria do povo português e não sejam mais do que cortinas de fumo para preservar estruturas extractivas à laia de uma suposta defesa do país.