No fim disto tudo, a maior contribuição de Pedro Nuno Santos para a economia deu-se ao sair do Governo. E não foi na TAP, nem na ferrovia, nem na construção. Foi na indústria têxtil, que se fartou de lucrar à conta das vestes que se rasgaram. É que carpiu-se a bom carpir na esquerda portuguesa.

Ana Gomes, depois de garantir que “Pedro Nuno Santos sai, como sempre esteve no Governo: com seriedade, convicção e dignidade. E com ambição para o País. A tempo de revigorar o Partido Socialista, espero”, foi ainda mais longe e afirmou que “o país precisa de homens e mulheres como Pedro Nuno Santos”.

Alexandra Leitão, entre vários elogios e lamúrias por Pedro Nuno ter saído do Governo, disse: “Quero que ele tenha, gostaria muito que ele tivesse, um papel ativo no PS, no futuro do PS e do país”. Carlos César, pesaroso, avisou que Pedro Nuno “fará falta ao Governo”. Duarte Cordeiro e João Galamba, condoídos, também lamentaram a saída de Pedro Nuno.

Francisco Teixeira, militante do PS que escreve no Público, acrescentou: “Pedro Nuno Santos, parece emergir, pese embora as suas responsabilidades políticas no episódio em causa, como um dos principais ativos de uma mudança política significativa no PS, que não poderá senão desenvolver-se através de um programa político crescentemente progressista face a um PS radical-centrista e a uma direita crescentemente radical.”

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Mesmo fora do Partido Socialista, a queda de Pedro Nuno Santos fez mossa. Manuel Carvalho, director do Público, considera que: “Num elenco contaminado pela modorra e inquinado pelo conformismo, Pedro Nuno Santos era o rosto da determinação, da crença e da vontade de mudar”. E também: “Pedro Nuno Santos é um fazedor num Governo que navega à bolina.” Ou ainda: “A estrela da ala esquerda do PS cai e com ela cai um pouco da aura do Governo. Sem o seu enfant terrible, o elenco de António Costa depreciou-se”.

Daniel Oliveira explica que “(…) governar sabendo que não se tem a solidariedade do primeiro-ministro é insustentável. Ainda mais num Governo que está tão distante das suas convicções políticas. Pedro Nuno Santos estava fadado a sair deste Governo. Assim, sai assumindo a responsabilidade política do que acontece no seu ministério. Nem todos podem ser Costa, que, com onze governantes demitidos em nove meses, nunca assume as responsabilidades do que sabe, do que não sabe e do que prefere não saber”.

É gente que não aprendeu nada com o BES e continua a depositar nos sítios errados. Neste caso, esperanças em Pedro Nuno Santos.

Um desejo comum a todos os vaidosos é a possibilidade de estarem presentes no próprio funeral, para verem quem lá vai prestar homenagem, saber quem está mesmo muito consternado ou meramente triste, e ouvir os elogios que são feitos. Pedro Nuno Santos conseguiu-o, não uma, mas duas vezes no mesmo ano. Primeiro, quando foi obrigado a desdizer-se sobre o aeroporto, agora com a sua demissão. Nem quando fez a primeira comunhão e a mãe lhe despejou um frasco de gel na cabeça, Pedro Nuno Santos nunca esteve tão bem penteado como agora, tal a quantidade de vezes que lhe passaram a mão pelo pêlo. Tão puro que ele é, se tivesse adiado a demissão uns dias e, em vez de na madrugada de dia 29, saísse na madrugada de dia 1, Pedro Nuno arriscava-se a ser o primeiro bebé do ano.

Não há como negar que Pedro Nuno Santos é a reserva moral da esquerda. Há só uma pequena questão: Pedro Nuno Santos não é de esquerda. Quer dizer, a falar é de esquerda, disso não há dúvida. Ele põe as perninhas dos banqueiros alemães a tremer, ele devolve o Porsche porque não é coerente com o seu trabalho político, ele fala com muito amor do Estado Social e da escola pública e do SNS. E, como se não bastasse, diz muitas vezes, e com muita convicção, que é de esquerda. Aliás, corrijo: ele diz que é da esquerda. Porque ser “de esquerda” é ideologia, mas ser “da esquerda” é coração. Como ser da Académica ou do União de Tomar. Uma paixão que não se explica.

A agir, a conversa é outra. Quando lhe foi dada a oportunidade de fazer qualquer coisa no Governo, borrifou na esquerda. A TAP era o dossier ideal para o Engels de São João da Madeira mostrar o seu esquerdismo. E ele pôs mãos a obra: despediu trabalhadores, usando eufemismos como “foram identificados 2000 trabalhadores que não são necessários para a operação”, cortou salários dos que ficaram, acabou com rotas por não darem lucro, foi contratar uma CEO ao estrangeiro, permitiu atropelos aos direitos laborais de grevistas, deixou que a CEO contratasse a mulher do PT do marido, isto tudo enquanto enchia a TAP com dinheiro dos contribuintes. A definição de canhoto, não é?

Culminou na indemnização milionária a uma administradora, depois contratada por si para outra empresa pública. Indemnização que, obviamente, Pedro Nuno aprovou. Porque é impossível um Ministro que está tão por dentro dos números da empresa ao ponto de saber que “a TAP tem mais 19% de pilotos por avião e mais 28% de tripulantes por avião do que a maior parte dos concorrentes”, que joga o seu futuro político na resolução do problema da companhia, não ter sido informado dum processo tão delicado quanto a saída de uma administradora por 500 mil euros. Se, há uns meses, António Costa ameaçou uma empresa que iria colocar o secretário de Estado Galamba a verificar facturas antes de as pagar, é claro que Pedro Nuno Santos sabe ao cêntimo o dinheiro que entra e sai da TAP. PNS autorizou o pagamento porque, por muito de esquerda que se diga, quando se viu à frente de uma grande empresa, quis experimentar como era ser como um daqueles magnatas das multinacionais.

O discurso de Pedro Nuno Santos não joga com a acção de Pedro Nuno Santos. Nisto, é altura de assumir, é igualzinho a José Sócrates. Que, não por acaso, também tinha a admiração de tanta gente dentro e fora do PS.

Quando se compara alguém a Sócrates, a tendência é achar que se está a chamar vigarista. É natural que assim seja. De todos os traços de carácter do ex-PM, é o mais espectacular. Mas, além da corrupção, Sócrates tinha outras facetas que não o recomendavam. Enquanto PM, foi um líder belicoso, autoritário, controlador e que, através de irresponsabilidade e despesismo, levou Portugal à falência. Nesse aspecto, e não na aldrabice, Pedro Nuno faz lembrar Sócrates. Fala grosso, não tem medo do confronto político, tem tiques autoritários e é um péssimo gestor público. No primeiro grande teste, demonstra incompetência numa brincadeira que está a custar muito caro ao país. Isto ao mesmo tempo que, como Sócrates também fazia, diz coisas de esquerda que a esquerda adora ouvir. Se com a TAP foi assim, imaginem com o país.

Portanto, não tenhamos ilusões, estamos fadados a tê-lo como Primeiro-Ministro. Mas mais grave do que termos um Primeiro-Ministro igual a Sócrates é a alternativa, uma vez que Fernando Medina é igual a António Costa. São sonsos, sempre a desculparem-se com “não sabia, mas vou mandar saber e castigar alguém”. Comprovam o adágio popular – agora mesmo cunhado por mim – que diz que “o não saber ocupa lugar”. Designadamente, um lugar no Governo.