Esta semana ocorreu uma grave interferência política na comunicação social, que irá ter repercussões duradouras no panorama televisivo português. Não me refiro aos comentários do Primeiro-Ministro sobre os meios tecnológicos que os jornalistas usam quando estão a colocar perguntas ao Governo. Nem ao anúncio do fim da publicidade na RTP, que deixa os canais privados a deverem um favor a Montenegro. São duas tentativas de condicionar a comunicação social, mas nada a que não estejamos habituados por parte de quem governa.

Pelo contrário, a interferência política de que falo é inaudita, pois vem da oposição. Trata-se da ordem de Pedro Nuno Santos para que os comentadores do PS parem de dar opiniões contrárias às posições oficiais do partido. Aconteça o que acontecer, esta intimação de PNS vai alterar a composição dos painéis de analistas. Se for obedecida, a televisão perde duas dúzias de comentadores socialistas. Se for ignorada, a televisão não perde nenhum comentador socialista, mas em breve ganhará mais um. É que, se o desautorizarem, Pedro Nuno não se aguenta muito mais tempo na liderança do partido e vai ter de voltar a ocupar o seu lugar na Sic Notícias. (Lugar de onde, durante alguns meses, Pedro Nuno Santos emitiu opiniões contrárias às do então líder do partido. Mas já lá vamos).

O que Pedro Nuno pede não é natural. Seria a mesma coisa que Paulo Raimundo vir solicitar aos seus camaradas que exprimissem em público opiniões contrárias às definidas pelo Comité Central. No PS convivem sempre várias opiniões. Por alguma razão em “Partido Socialista” está lá “lista”: há sempre um rol de convicções variadas, prontas a serem tornadas públicas. Normalmente, quando o líder fraqueja. Não é por acaso que numa tabela dos mamíferos com melhor olfacto, em primeiro vem o elefante, em segundo o perdigueiro e logo a seguir está o militante do PS, que é capaz de estar em Bragança e ainda assim detectar o odor a sangue no Rato.

No início da década de 80, Guterres, Sampaio e Constâncio criticaram Mário Soares. Mais tarde, Guterres e Sampaio criticaram Constâncio. Já nos anos 90, Guterres criticou Sampaio. Em 2014, Costa arrasou António José Seguro. E o próprio Pedro Nuno Santos, depois de sair do Governo, lá está, foi para a SIC discordar do antigo patrão e colegas. Aliás, lembro-me de Pedro Nuno discordar de António Costa quando ainda estava no Governo. A uniformidade que Pedro Nuno pede agora aos comentadores socialistas é a mesma que Costa lhe impôs quando o obrigou a voltar atrás com a localização do aeroporto.

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Na altura, PNS era mais individualista e apreciava o pluralismo. Agora já não acha tanta graça. Pedro Nuno Santos é o antigo aluno insolente que um dia se torna professor e percebe que, afinal, isto de aturar jovens indisciplinados é uma maçada.

Mas percebe-se o objectivo do secretário-geral. PNS quer o partido a falar a uma só voz porque só um coro tão robusto consegue abafar o apito do amolador que já estacionou a bicicleta no largo do Rato. Pedro Nuno Santos é um homem alto, com as costas largas. Não falta ali espaço para os críticos lhe espetarem as facas.

Os auriculares que Luís Montenegro gostava de retirar aos jornalistas são os que Pedro Nuno Santos quer colocar nos comentadores do PS, para lhes poder soprar as opiniões correctas.

Agora, PNS está a ser demasiado exigente com os seus críticos. Pretender que os correligionários não se desviem do pensamento do líder é um problema, na medida em que para isso é preciso primeiro determinar qual é afinal o pensamento do líder. Decida isso e depois logo se vê.

Para quem está sempre a avisar para o perigo que é o Chega, Pedro  Nuno Santos, com este desejo de unanimidade incontestada, parece querer ser o André Ventura do PS.