Este título invoca certamente uma polémica. Uns dirão, numa dicotomia entre a ação e a teoria, que o diálogo, embora relevante, é inútil sem a prática. Outros até afirmarão que pode não ser totalmente inepto, mas está excessivamente implantado nos nossos estudos e relações do dia a dia. Finalmente, existirá um terceiro grupo que até concorda com aquelas seis palavras em destaque, mas opta frequentemente pelo ataque à pessoa e não às suas ideias, qual argumentum ad hominem aplicado na sua perfeição.

Escrevo este texto para cada um dos grupos de pessoas. No passado dia 16 assistia a Ricardo Araújo Pereira (RAP), no seu Programa Cujo Nome Estamos Legalmente Impedidos de Dizer, a afirmar que não deixava de ser peculiar a forma como encaramos a violência, nomeadamente ao julgarmos amiúde que a que se faz por palavras ou mesmo imagens é mais agressiva do que a violência física. Como exemplo recorria aos cartazes do Primeiro-Ministro (PM) António Costa segurados por um conjunto de professores que pretendeu construir uma metáfora acerca da cegueira ideológica dos governantes. RAP, alertando-nos para as desproporcionalidades das nossas indignações, conduz-nos a questionar as razões pelas quais muito boa gente fica mais colérica com desenhos e palavras do que com comportamentos corpóreos e medidas políticas mal desenhadas e aplicadas que incrementam as desigualdades.

Esta confusão acerca do poder das “agressões” (terá sido aquele cartaz de facto tão ofensivo como o PM quis fazer parecer?) deveria ser esclarecida através de um debate mais profundo acerca dos limites (e não limites) da sátira. Até onde pode ir uma crítica artística ao Governo? A partir de onde essa criação é mais hostil do que construtiva? Quem decide arbitrariamente as regras a serem cumpridas por se considerar um maior detentor de poder? Por fim: não é mais censurável existirem cidadãos com problemas de arrendamento das casas, sem aulas por greve de docentes ou com consultas extremamente demoradas?

A credibilidade das instituições e o seu funcionamento sob a bitola da inclusão social é o que permite à população aproximar-se da política. Para isso, a democracia tem de ser fortificada, porque, acima de tudo, é um sistema onde se valoriza a pessoa por si mesma e as suas mobilizações cívicas. Contudo, ela só se expande através da comunicação, da discussão de visões, da disseminação de propostas de mudança, de construções partilhadas de sentido. Foi contra a barbárie que decidimos pela negociação das normas sociais em vigor, originando estabilidade nos nossos modos de vida. Portanto, temos de estar preparados para que a democracia seja atenta, escrutinadora, exigente. Como afirmaria Churchill, os regimes democráticos são os menos bons, mas todos os outros são piores.

A nossa postura cidadã deve ser de uma constante interpelação de potenciais discriminações contra minorias; não obstante, isso não pode atingir o extremo de considerarmos todas as variáveis como puras e determinadoras de realidades de preconceitos. Os países em que a democracia é um pilar dos direitos humanos preferem a ampliação das liberdades de expressão artística e a diminuição da possibilidade do uso da agressão carnal. Assim, conseguimos percecionar muito bem a diferença entre estes e as nações autocráticas: sentem-se ameaçadas com simples papelinhos rabiscados, censurando-os e reforçando a força dos murros e das armas. Um primeiro exagero, baseado numa fraqueza ignorante, produtor de um segundo exagero, de uma revolta negligente.

As conversas e as ideias são boas para a democracia. Sem elas não vemos o mundo de diferentes perspetivas e não conseguimos encontrar soluções inovadoras para problemas estruturais. Portanto, se queremos viver sob as asas da igualdade precisamos de ajustar primeiro os voos das liberdades.

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