2017 foi um ano de tragédias, quem não se lembra de várias, mas de coisas boas também. Podíamos dizer que 2017 foi um ano bom. Mas, como somos portugueses, dizemos simplesmente que foi um ano menos mau.

Apesar deste ano, que agora terminou, ter sido o ano em que os portugueses se sentiram mais optimistas desde 1992, de acordo com o estudo internacional “Consumer climate” da GfK, nem tudo nos vai bem na alma. Diz o escritor Miguel Esteves Cardoso no seu livro “ Os Meus Problemas” que “ninguém tem pena das pessoas felizes. Os portugueses adoram ter angústias, inseguranças, dúvidas existenciais dilacerantes, porque é isso que funciona na nossa sociedade.” E realmente, de acordo com o World Happiness Report de 2017, Portugal é apenas o 89º país mais feliz em um universo de 155. Mais preocupante ainda, segundo a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, um em cada cinco portugueses sofre de uma perturbação psiquiátrica (a maioria são perturbações do humor e de ansiedade) e Portugal é o segundo país da Europa com mais perturbações psiquiátricas, apenas ultrapassado pela Irlanda do Norte.

Estas características da sociedade portuguesa dão que pensar, certo? Pelo menos a mim, que trabalho com pessoas e com emoções (no fundo, não trabalhamos todos?), dá. E, de certa forma, preocupa-me o futuro desta nossa sociedade. Discutimos tantos assuntos e, ainda assim, não dedicamos nenhum tempo a discutir e a refletir como podemos fazer para cuidar da única coisa que aparentemente nos distingue de qualquer animal e, eventualmente, a única coisa que no futuro nos vai distinguir dos tão falados robots: as nossas emoções. A verdade é que a razão pela qual temos uma sociedade organizada da forma que temos, aquilo que serve de base à criação da moralidade, justiça, economia, política, e mesmo das artes e humanidades, tudo isso tem influência das nossas próprias emoções.

Toda esta questão da influência das emoções na nossa sociedade parece demasiado ideológica? Em parte é. No século XVII, o filósofo René Descartes, considerado o pai do racionalismo, introduziu a ideia de dualismo em que o cérebro e a mente representam dois sistemas independentes. Esta ideia tem vindo a ser representada como a divisão entre o “coração” e o “cérebro”. Mais recentemente, António Damásio, um neurocientista português, tem dedicado a sua vida a provar o contrário através de uma perspectiva biológica. O neurocientista tem tido um papel fulcral na investigação de áreas cerebrais intrinsecamente ligadas à parte emocional, nomeadamente através do estudo do célebre caso de Phineas Gage, como são o caso dos lobos frontais, do sistema límbico e da amígdala. Damásio defende que os aspectos do processo da emoção e do sentimento são indispensáveis para a racionalidade. No seu livro publicado em 2017, “A estranha ordem das coisas”, explica que as emoções desempenham um papel fundamental nos nossos processos de tomada de decisão e na nossa auto-imagem. O neurocientista argumenta que os nossos sentimentos são as pedras angulares da nossa sobrevivência que permitiram moldar todas as culturas e civilizações que hoje conhecemos.

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Algumas civilizações têm vindo a usar o domínio das emoções para atingir o bem-estar físico e mental há vários anos, mesmo sem provavelmente saberem que o faziam. Os japoneses, reconhecidos pela sua grande capacidade de organização e produtividade, são o exemplo perfeito. A cultura japonesa tem uma filosofia muito interessante, com cada vez mais adeptos no mundo ocidental, chamada Ikigai que vem da palavra japonesa ikiru, que significa “viver”, e da palavra kai, que significa a “a realização que esperamos”. De acordo com esta filosofia, todos nós deveríamos responder a quatro “pequenas” perguntas de modo a conseguirmos encontrar na vida um objetivo e atingir a nossa realização. São elas: do que gostamos? No que é que somos bons? Para que é que o mundo precisa de nós? O que podemos ser pagos para fazer? A capacidade de responder a estas perguntas leva-nos a conseguir moldar os nossos desejos e os nossos objetivos às nossas emoções, ao que realmente somos, trazendo felicidade ao nosso dia-a-dia.

Nesta altura de inícios, é típico definirmos resoluções para cumprir ao longo do ano. Ou queremos fazer dieta, ou queremos estar mais em forma, ou queremos poupar mais dinheiro. Quantas das nossas resoluções dedicamos a cuidar mais das nossas emoções? A descobrir como ser mais feliz ou como ser mais útil à vida em sociedade? Tendemos a considerar isto secundário, mas não é.

Neste ano que começa, dediquemos mais tempo à nossa parte emocional. É ela o grande combustível da nossa vida e o grande condutor da nossa sociedade. Sebastião da Gama diz-nos que “pelo sonho é que vamos”, em 2018 que seja pelas emoções que nos deixamos ir.

Catarina Reis de Carvalho tem 28 anos e é médica. Paralelamente, é assistente convidada na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Pertence ainda à Ordem dos Médicos e ao Conselho Nacional de Médicos Internos. Juntou-se aos Global Shapers Lisbon em 2017.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.