No passada quinta-feira, 27 de Janeiro, ocorreu mais uma dia internacional de memória das vítimas do Holocausto. Uma excelente ocasião para recordar o Papa Pio XII que, depois da Segunda Guerra Mundial, foi muito justamente reconhecido pela sua acção em defesa dos judeus.

Enquanto Núncio Apostólico na Alemanha nazi, Eugénio Pacelli conheceu, melhor do que ninguém, o regime nacional-socialista.  Ao ser eleito Papa, com o nome de Pio XII, a 2 de Março de 1939, Adolf Hitler fez saber ao seu embaixador na Santa Sé que o novo sucessor de Pedro não era amigo do regime nacional-socialista. Escassos seis meses depois, deflagrava a Segunda Guerra Mundial, que dramaticamente preencheu os primeiros cinco anos do pontificado do Papa Pacelli.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, o rabino da cidade eterna, Israel Zolli, converteu-se ao catolicismo, sendo baptizado com o nome próprio Eugénio, em agradecimento ao que Pio XII fez, antes e durante a guerra, pelo povo eleito. Outros judeus, igualmente insuspeitos, como o físico atómico Albert Einstein, pai da teoria da relatividade, e a primeira-ministra de Israel, Golda Meir, manifestaram também, publicamente, a sua gratidão pela acção humanitária de Pio XII em defesa dos judeus.

Não obstante este reconhecimento internacional, Pio XII foi, postumamente, “criticado pela sua passividade durante o Holocausto e tornou-se conhecido como o ‘Papa do Silêncio’, uma imagem negativa popularizada pela peça teatral de 1963, O Vigário, do dramaturgo alemão Rolf Hochhuth, mais tarde adaptada por Costa Gravas, no filme Ámen”, de 2002 (Os judeus de Pio XII, pág. 15).

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É triste verificar como uma simples peça de teatro e uma produção cinematográfica, de um dramaturgo e realizador marxistas, respectivamente, foram suficientes para  ultrajar, na opinião pública mundial, o bom nome do Papa Pacelli. As potências totalitárias que assinaram o pacto von Ribbentrop – Molotov e que invadiram e repartiram entre si a Polónia, provocando a Segunda Guerra Mundial, recorreram aos mesmos métodos de propaganda política: Hochhuth e Costa Gravas foram, de facto, exímios discípulos de Goebbels.  Desde então, paira uma dúvida sobre o carácter do antecessor de São João XXIII, bem como o mérito, ou demérito, da sua acção em relação ao Holocausto. Afinal, “o que sabia o Papa Pio XII acerca das atrocidades cometidas durante a guerra e quando foi informado delas? A Santa Sé terá feito tudo o que estava ao seu alcance para ajudar as vítimas da barbárie nazi?” (Idem).

Como sempre acontece quando está em causa a Igreja católica, não faltou quem, num excesso de ódio anticlerical desprovido de qualquer fundamento histórico, chegasse a dizer que Pio XII tinha sido o Papa de Hitler. Mas, mesmo entre os que não se atreveram a proferir uma tão delirante calúnia, não faltou quem mantivesse uma atitude de reserva em relação a Eugénio Pacelli. Embora Pio XII fosse insuspeito de simpatia pelo regime nazi, subsistiu a dúvida sobre se tinha feito tudo o que estava em seu poder para defender o povo judaico da perseguição nacional-socialista.

A resposta a esta questão só pode ser cabalmente respondida com dados históricos. É verdade que uma peça de teatro e um filme comercial não têm consistência científica, nem são suficientes para duvidar da integridade de alguém que, em sua vida, deu abundantes provas de coragem e, até, de heroísmo, na defesa dos mais marginalizados e perseguidos como foram, nesse tempo, os judeus. Para refutar a aviltante suspeita, só a prova dos factos é suficiente: contra factos não há argumentos.

A Igreja, em tudo o que se refere ao seu passado e organização, privilegia sempre a verdade e a transparência e, por isso, no pontificado de São João Paulo II, não teve receio de reabrir o dossier Galileu e de assumir as suas responsabilidades nesse caso. É nesse sentido que se entende e justifica a abertura, há dois anos, dos arquivos de Pio XII: quem não deve, não teme. Em boa hora, portanto, o Papa Francisco decidiu facultar aos investigadores, no dia 2 de Março de 2020, os arquivos do Vaticano sobre Pio XII.

Um dos primeiros a estudar esse espólio foi, precisamente, quem mais estava capacitado para o fazer: o historiador Johan Ickx, director dos Arquivos Históricos da Secretaria de Estado do Vaticano, doutorado em História Eclesiástica pela Gregoriana, a mais prestigiada Universidade Pontifícia romana, que é também o autor de La Guerre et le Vatican, Les secrets de la diplomatie du Saint-Siège (1914-1915). Desde 2010, Ickx lidera o “processo de preparação de quase dois milhões de documentos secretos sobre a actuação do Vaticano durante a Segunda Guerra Mundial e no período do pós-guerra,” e que agora culminou com a abertura oficial dos arquivos de Pio XII.

Graças às edições 2020, sob a chancela Vogais, foi agora publicado um primeiro trabalho com revelações e documentos inéditos, procedentes dos arquivos até agora secretos: Os judeus de Pio XII, O verdadeiro papel do Papa Pacelli, de Johan Ickx. Não sendo ainda um texto exaustivo sobre a acção de Pio XII em prol dos judeus, esta primícia já permite refutar a soez calúnia de Rof Hochhut, recentemente falecido, vítima da actual pandemia. Uma mentira que, diga-se de passagem, nada tinha de inocente.

Com efeito, a sua “célebre peça teatral Der Stellvertreter (O Vigário)” foi “concebida e financiada pelos serviços secretos soviéticos, (…) levada à cena em Berlim, em 1963, e traduzida para quase todas as línguas europeias. A sua mensagem espalhou-se como um vírus letal e, em muito pouco tempo, amaldiçoou a memória da obra de Pio XII durante a Segunda Guerra Mundial. O sedutor antagonismo revelado na peça, apesar de não ser mais do que uma invenção teatral, contribuiu para que se tornasse numa ‘falsificação histórica’.” “Continua a ser uma criação extremamente perene do mercado produtivo dos serviços secretos” da ex-União Soviética.

Reposta – por fim! – a verdade histórica sobre Pio XII, é de supor que a Santa Sé se decida finalmente a abrir o processo de beatificação e canonização deste esclarecido e corajoso pontífice romano, a quem se atribui a paternidade da encíclica Mit Brennender Sorge, de Pio XI, que condena o nacional-socialismo alemão. Todos os seus sucessores na cátedra petrina falecidos, já foram elevados aos altares, ou estão em vias de o ser: São João XXIII, São Paulo VI, o próximo Beato João Paulo I e São João Paulo II.

Pio XII tinha uma especial relação com Portugal, porque foi ordenado bispo, pelo Papa Bento XV, na Capela Sistina, a 13 de Maio de 1917, precisamente no dia da primeira aparição mariana na Cova da Iria! Por esta razão, certamente providencial, gostava de se intitular o Papa de Fátima.