Acordo cedo e estou sempre pronto a partir mas não sei para onde. A disposição não coincide com o caminho. Por vezes quero levantar-me ainda mais cedo, forçar a escrita até que ela ceda, ou eu ceda, mas ultimamente desisto e vou tomar o pequeno-almoço sem palavras novas. Durante o dia, prefiro não pensar nisso. Qualquer dia sem escrever é uma derrota, embora por vezes me esteja a lixar. Repito para que fique marcado no quotidiano: qualquer dia sem escrever é uma derrota.

Agora só me interessa o próximo livro, mas dar-lhe forma como? Chegar aonde? A escrita, neste momento, assemelha-se a uma viagem para um planeta desconhecido. Não há nada, nem oxigénio, entre mim e ela. Precisarei de um sobressalto de imaginação para encontrar esse planeta.

Nos últimos tempos, sinto medo de escrever, de o primeiro livro ter sido uma viagem que não se repete, de ter visitado aquele mundo só uma vez. E no entanto quero muito partir, sou dominado pelo entusiasmo de quem não sabe ao que vai, mas pelo menos sabe que vai. Conservar este entusiasmo, que no fundo é uma forma de ingenuidade, tem sido um treino duro. Exercito-me todos os dias, ganho músculo, preparo-me para a viagem.

Pelo contrário, a rotina tenta adormecer ou acalmar a necessidade da escrita, o que deveria servir de aviso. «Assim não sais do sítio.» Mais fácil ignorar o aviso, levar as coisas na boa, se é que na boa é como as coisas devem ser levadas – porém muito melhor romper o quotidiano, apostando que um dia será possível aterrar no planeta desconhecido. Ainda que não chegue à última frase do segundo livro, que fique atolado onde a capacidade deixar, poderei, quem sabe, tê-la visto ao longe, como terra que não se alcança. E essa hipótese, essa tentativa falhada, chamem-lhe o que quiserem, será melhor do que nada.

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Faço lembrar aqueles investigadores, não sei se astrónomos se quê, que acreditam no Planeta X. Parece que a órbita de Neptuno, apesar de bem dançada, dá passos em falso. Qualquer coisa como assentar mal nos pressupostos matemáticos. A existência de um grande planeta nas regiões mais afastadas do sistema solar colmataria a falha. Esta é uma das teorias moderadas. As mais lunáticas alegam que o Planeta X há-de embater na Terra. Lars von Trier inspirou-se nestes, com melancolia.

À força de acreditarem nele, dão-lhe órbita, solo rochoso, nuvens, temperatura, massa maior do que Neptuno, montanhas, oceanos, enfim, tornam-no mais real. E assim, o Planeta X, que nunca foi avistado por telescópios de gente séria, tem pelo menos lugar nalgum universo. Isso é bom.

Suponho, porém, que qualquer astronauta sentiria medo de partir, embora julgando que o astro existe e que é possível chegar, quanto mais sem garantia. Não falo da página em branco, falo das ideias em branco. Mesmo tendo em conta o exemplo dos que, como Lobo Antunes, vivem com «medo permanente de isto ter acabado» e que, contra tudo, continuam a escrever, acho muito fácil, e talvez provável, não conseguir outro livro.

Alguns bem-intencionados dizem-me «Estás tramado com o segundo livro» (não usam propriamente a palavra tramado), e eu só posso sorrir e concordar. É que também estava tramado com o primeiro, e certamente tramado com tudo o que escreva. Porque é suposto que seja assim antes de uma viagem a sítios que não existem. Assumi-lo ajuda a conservar a ingenuidade que preciso para escrever, a ingenuidade e o optimismo de acreditar no Planeta X.

À noite, no fim da rotina, penso nele. E mesmo antes de adormecer, quando me afundo já sem escapatória, surge mais nítido, talvez azul, talvez ameno, e com uma atmosfera habitável. É para lá que quero ir.