Dizer que o processo do novo Aeroporto de Lisboa já se arrasta há tempo demais, é uma verdade evidente. Dizer que o primeiro estudo data de 1972 e assumir que em 2023 ainda não temos uma decisão, representa uma das maiores falhas do sistema político português e não esconde a existência de uma tentativa de diluição da responsabilidade própria.
Ao longo dos últimos 8 anos o Governo de António Costa dispôs – e continua a dispor – de todas as ferramentas democráticas e executivas necessárias e suficientes para que tivesse sido tomada uma decisão final sobre a localização do novo aeroporto. Não aconteceu.
Existiu uma pseudo decisão, é verdade. Um estranho episódio em que o ex-ministro Pedro Nuno Santos decide unilateralmente. Um caso que provocou a ira do primeiro-ministro que não só anulou a decisão como obrigou o Ministro a publicamente pedir desculpas, num claro ato de humilhação e de demonstração de poder.
Este mesmo ex-ministro, atribuiu-me no seu programa de comentário alguns processos de intenção que são claramente sinal de um alheamento da real situação do processo. Alheamento que não me espanta, admito.
O processo tem alguns passos, mas pouca complexidade. Começa com o PSD a dar a mão ao governo e, com sentido de responsabilidade, realizar uma reunião com o primeiro-ministro e com o referido ex-ministro, por forma a encontrar uma solução. A reunião foi aparentemente profícua sendo definida uma metodologia para que, finalmente, se tomasse uma decisão.
O PSD apresentou alguns pontos fundamentais, todos aceites pelo governo: o início das obras no aeroporto Humberto Delgado, ainda hoje por realizar; a realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica sobre as localizações definidas, efetuadas por personalidades de reconhecido mérito técnico académico e científico, nelas se incluindo instituições estrangeiras, como por exemplo o MIT; a apresentação dos custos e prazos de execução para as diversas localizações; e o prazo de um ano para o término deste trabalho.
Em suma a criação de uma comissão técnica verdadeiramente independente que fornecesse e sistematizasse, em tempo útil, todos os dados necessários à decisão política.
Porém, e desde o início, o processo não seguiu os trâmites de transparência e independência que ambicionávamos.
Logo após a designação da Coordenadora da Comissão Técnica Independente foram conhecidas as suas ligações, assim como o Presidente do CSOP (que lidera a comissão de acompanhamento à CTI), ao anterior processo de seleção de Alcochete como novo aeroporto (2018).
Num segundo momento, estranhámos o posicionamento da CTI, que iniciou um autêntico roadshow mediático, liderado pela sua coordenadora, dando diversas entrevistas por semana, sempre expressando opiniões, ora sobre modelos de expansão aeroportuária (modelo dual ou novo grande aeroporto), ora sobre localizações. Negligenciando o recato a que a sua posição obrigava.
Num terceiro momento, foi possível perceber que a relação entre a Comissão Técnica Independente e diversas entidades institucionais e mesmo autarcas era marcada por um certo desdém sobre qualquer contributo recebido com o qual não concordassem. E sejamos sinceros, arrogância e preconceito dificilmente casam com independência.
E, num quarto momento, mais recentemente, viemos a confirmar que a ideia de termos uma Avaliação Ambiental Estratégica baseada em conhecimento científico, com recurso a instituições internacionais, como sugerimos – e que permitiriam uma equidistância face a posicionamentos passados de alguns dos nossos académicos e especialistas locais – foi completamente ignorada. Veja-se que as primeiras contratações externas foram realizadas para as instituições académicas locais da proveniência dos membros das CTI.
Já nos últimos meses vieram a público relatos que demonstram que a Comissão Técnica, desenhada como independente, cria equipas de consultores externos que parecem basear-se mais num histórico de relação académica e até geracional em torno dos próprios elementos da CTI.
O episódio das mais recentes contratações de consultores externos, em processos de ajuste direto ou de consulta prévia, sem que se perceba nem quem foi consultado, nem o Curriculum e experiência internacional relevante de cada contratado, são disso exemplo.
Se este método de recrutamento já era questionável, tornou-se público que dois dos consultores externos que foram convidados a apresentar propostas pela CTI e a quem vieram a ser adjudicados trabalhos de extrema importância são, não apenas, acérrimos e públicos defensores da construção de um grande Aeroporto em Alcochete, como, pasme-se, são ativistas num movimento contra a utilização da Base Aérea n.º 6 (Montijo) como aeroporto complementar.
Destas situações foi sendo dado nota ao governo, mas mesmo este não se comportou como expectável. Vimos o ministro João Galamba a mostrar-se publicamente contrário à opção de Santarém e posteriormente o secretário de Estado João Paulo Catarino a declarar-se favorável a esta mesma localização.
De resto as divergências no governo já não se estranham. As divergências e as diferentes realidades. O próprio ex-ministro Pedro Nuno Santos poucas vezes esteve, ou está, em sintonia com o primeiro-ministro. Foi assim na questão do Aeroporto, mas também na questão da TAP, em que António Costa diz que a privatização faz parte do plano de restruturação entregue em Bruxelas e Pedro Nuno Santos declara que tal obrigação não faz parte do referido plano. É claro que uma das versões não corresponde à verdade e é obrigação do Primeiro-ministro esclarecer cabalmente a situação.
Estes factos levam a que qualquer um fique com o pé atrás com este processo e com a sua verdade. Eu fiquei e penso que, agora, também o ex-ministro Pedro Nuno Santos ficará.