Uma das miríades vantagens e benefícios que o rgpd trouxe à vida dos portugueses foi popularizar conceitos como opt-in e opt-out, fundamentais em sistemas jurídicos que valorizam a diversidade e a liberdade. Embora a adoção destes instrumentos a um conjunto mais vasto de realidades ainda se encontre numa fase muito incipiente, o que certamente mais não reflete que o carater dirigista, maternalista e matriarcal da nossa sociedade, as possibilidades por eles abertas para a evolução do nosso sistema legal e societário são enormes.

Uma área que certamente beneficiaria com a sua adoção é a da regulação da cidadania, isto é, a definição do conjunto de direitos e responsabilidades na relação cidadão-estado. No modelo atual, que não toma em conta a diversidade cultural, de gostos e preferências que existem hoje na sociedade portuguesa, os direitos e deveres são iguais para todos. Todos são obrigados, na medida e de acordo com a legislação vigente, a comparecer no dia da defesa nacional[1], a pagar IRS e a passar pela escola, e todos têm o direito a que, também de acordo com as regras estabelecidas, o estado lhes trate da saúde, a votar nas eleições e a receber um rendimento mínimo. Este modelo de cidadania de one size fits all, estabelecido no séc. 19, de acordo com valores bafiosos e empoeirados há muito desatualizados e imposto por limitações nas tecnologias de informação e administração entretanto superadas, já não corresponde aos anseios, necessidades e preferências das novas gerações e não há razões válidas, sejam sociais, sejam tecnológicas, para que não possa ser reformado.

Uma possibilidade que esta inovação abre é tornar exequível introduzir vários níveis de cidadania que correspondam ao grau de envolvimento que cada cidadão gostaria que o estado tivesse nas suas vidas. A um nível básico de cidadania poder-se-iam acrescentar um ou vários opt-in que reforçassem a relação cidadão-estado, bem como um ou vários opt-out que a tornassem menos intrusiva.

Como um exemplo muito simples podemos considerar um modelo com apenas dois níveis de cidadania, um básico e um premium, sendo que a este se acederia através de um pacote opt-in. A cidadania básica exigiria o pagamento de um imposto fixo de cidadania básica, ou poll-tax, que contribuiria para o financiamento dos bens públicos que estado providencia a todos os cidadãos sem ter capacidade de excluir ninguém nessa sua prestação, bens como a defesa nacional, a segurança pública e o sistema legal. Para além desse imposto fixo, igual para todos, os participantes no programa de cidadania básica estariam obrigados a comparecer no dia da defesa nacional e a obedecer a todas as leis da república, incluindo o código de trânsito. Teriam também direito a eleger e a ser eleitos para cargos públicos. Estariam, por outro lado, isentos do pagamento de IRS, IVA e todos outros impostos e taxas, bem como de contribuir para a segurança social, mas não teriam direito a usar ou gozar de nenhum dos serviços providenciados pelo estado aos cidadãos premium, serviços descritos abaixo.

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O opt-in que possibilitaria acesso à cidadania premium exigiria o pagamento de IRS e todos os outros impostos, taxas e contribuições vigentes, e seus aumentos futuros, mas daria o direito à isenção do imposto fixo de cidadania básica. Por outro lado daria acesso gratuito, ou por taxas moderadoras muito moderadas, a todos os serviços e benefícios do estado social tal o conhecemos hoje e do que podemos imaginar para o futuro: educação de excelência e gratuita, rendimento social de inserção, o melhor sistema de saúde do mundo, generosas pensões por incapacidade e velhice e tudo o resto a que o estado generosamente nos habituou apesar da nossa ingratidão, para além de um cartão de cidadão gold.[2]

A criteriosa introdução de opt-ins e opt-outs na ordenação da nossa sociedade traria pois flexibilidade, autonomia, segurança, liberdade e outras vantagens à vida dos portugueses, possibilidades que não devem ser desperdiçadas por imobilismo dos nossos dirigentes. Seria também uma maneira de demonstrar ao mundo, aos cínicos e aos céticos, como o estado social é popular no nosso país. O rgpd, em boa hora, abriu uma via que merece ser mais amplamente explorada no nosso ordenamento jurídico.

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[1] Dia de defesa nacional: inutilização de um dia produtivo da vida de um cidadão para a defesa nacional; esta inutilização insere-se na judiciosa estratégia de defesa que consiste em diminuir a vantagem e vontade de qualquer potencial agressor em nos invadir através de uma sistemática política de empobrecimento nacional; daí a afirmação do Pe. Mário Centavo, Opera Omnia, vol. 34, que “o orçamento de estado é o nosso melhor instrumento de defesa nacional”.
[2] Os cidadãos de nível básico teriam, como é obvio, de recorrer ao setor privado se quisessem enviar os filhos para a escola, ir ao médico ou receber uma pensão por acidente ou velhice. Ou pagar, a preços de mercado, esses serviços no setor público, caso deles não fossem explicitamente excluídos.