O assédio moral ou sexual é um acto repulsivo, execrável, ofensivo e violento, principalmente quando ocorre em contexto de trabalho, onde a pessoa assediada é constantemente colocada na posição de ter de escolher entre dois males: ser assediada ou sofrer as repercussões das suas recusas. E não importa se a vítima de assédio reage ou sofre, aceita de bom grado (talvez por conveniência), encobre ou recusa. No momento em que ela é submetida a essa “escolha”, o assédio já ocorreu. É igualmente indiferente se a denúncia é feita no momento ou se passados vinte ou mais anos, porque o tempo nunca é um indicador. Combater o assédio moral ou sexual é, por isso, uma tarefa hercúlea, que não está ao alcance de qualquer vítima, razão pela qual devemos ter o máximo respeito por quem decide contar o assédio que sofreu e evitar que acabe passando de vítimas a alvos de novas violências, no pelourinho mediático.
Quando Asia Argento denunciou o comportamento abusivo de Harvey Weinstein, fê-lo “para tentar ajudar as pessoas” que, como ela, “precisam de justiça”. Foi a sua determinação em chamar o monstro pelo nome, que encorajou outras mulheres a fazerem o mesmo, independentemente de terem ou não provas, testemunhos ou segurança para o fazer. Asia acreditava que um relato acrescido de outros seria suficiente para formar um cadastro. E foi. Weinstein, um dos mais poderosos produtores de Hollywood, foi condenado a 23 anos de prisão. Seguiram-se muitos outros nomes poderosos, graças ao movimento #MeToo.
Em Portugal, pelo contrário: anuncia-se um #MeToo sem um “Weinstein” para julgar e condenar. O que se usa, julga e condena são as poucas mulheres com visibilidade mediática que relatam casos de assédio sexual no trabalho. Sofia Arruda, que já em 2016 tinha revelado no seu canal no YouTube ter sido “vítima de violência no namoro”, é a mais recente figura televisiva a relançar a discussão sobre o assédio sexual, depois de ter confessado ter sido assediada “por parte de uma pessoa com muito poder dentro de uma estação de televisão”. Numa e noutra, a actriz não identificou os supostos agressores. E pelo que se lê, principalmente no Público, não é preciso. “Porque a identificação dos agressores permite circunscrever o problema a personalidades concretas” e isso vai contra a narrativa do “Portugal macho e anacrónico” – o que teria sido das vítimas de pedofilia se ninguém tivesse nomeado os pedófilos ou das vítimas de violência doméstica sem a identificação dos agressores? -, e, também, porque sendo Portugal uma estrada de sentido único, “onde todos se conhecem [em Hollywood ninguém conhecia Weinstein], caso um MeToo ocorresse, seria certo que envolveria alguém que se conhece e com quem até se partilham outras afinidades”, ou seja, uma maçada. Além disso, “toda a gente sabe que em Portugal a justiça não funciona”, não obstante os dados da Direção-Geral da Política de Justiça indicarem o contrário: em 2016, último ano de que existem dados, 41 homens foram condenados por assédio sexual.
Se o leitor é dos que considera, que focar a discussão apenas nas vítimas motiva críticas e argumentos que questionam a credibilidade das denúncias e subordina o Direito à ideologia totalitária, prepare-se para ser objecto de repressão colectiva e acusado de antifeminista, misógino, sexista, cúmplice, traidor e de viver na Idade Média. Lembre-se de que apenas as vítimas merecem solidariedade e empatia para as pseudo-defensoras da igualdade e da humanidade. Lembre-se, também, que a necessidade de rotular quem pensa diferente é uma manifestação de fraqueza totalitária. Repito, porque devemos sempre repetir aos idiotas de má-fé: não estou a dizer que as vítimas têm qualquer obrigação de nomear o assediador, a culpabilizá-las e muito menos a colocar em causa a veracidade do seu relato. Estou a dizer que não devemos permitir que moralistas cínicas usem os relatos das vítimas para minar a confiança entre os sexos e apresentar a masculinidade como vil, tóxica e inerentemente predatória, como um facto incontestável (tal como o fizeram no passado certas religiões totalitárias em relação à sexualidade feminina). Para estas almas, que vivem num quarto escuro, onde tudo gira em torno de opressor e oprimido, qualquer explicação para o assédio moral e sexual e para a violência é sempre a mesma: um módulo ideológico pré-impresso e repetido incessantemente: é a velha cultura sexista, é a afirmação extrema da supremacia masculina e da submissão da mulher que se sente ameaçada; é a sociedade machista e patriarcal que se impõe com violência.
Se as mulheres forem levadas a acreditar que a masculinidade natural é um perigo à solta, não poderá haver confiança entre os sexos. O outro sexo é visto como uma besta que mina a nossa dignidade. Apartheid de género, separação de sexos. O teorema que aprenderam é: começa com carícias, depois chega à violência. Daí acharem que “é este Portugal macho e anacrónico que deve explicações à Sofia e a todas as outras vítimas do assédio sexual”. Um acto de contrição hipócrita e surreal, porque não nos podemos desculpar (ou culpar) em nome de outros comportamentos abusivos, praticados há 800 anos. Não faz sentido, é ridículo, é inútil, é falso moralismo, é uma presunção de superioridade. Que miséria pensar em lucrar politicamente com as denúncias de assédio sexual…
Décadas de empoderamento feminino para, no final, reconhecerem, sem rodeios, que as mulheres precisam de protecção da sociedade, de um intermediário entre elas e o outro sexo, porque simplesmente não sabem como lidar com a tensão sexual. Que a masculinidade tem de ser policiada, redefinida, para que o homem seja marcado como “seguro”.
Enganam-se. As dezenas de casos, e mesmo milhares de abusos de assédio sexual ou de violência, não são comparáveis com milhões de casos que não conhecem o abuso ou a violência, mas o respeito mútuo, a compreensão, a tolerância, a solidariedade, a ajuda e o incentivo. O leitor entende? Milhares contra milhões; e se falarmos em feminicídios, são dezenas de casos contra dezenas de milhões de relacionamentos pacíficos, até enfadonhos. Talvez até frustrados ou hipócritas, mas não violentos.
Tudo isto é ignorado se adoptarmos os filtros ideológicos impostos por juízes arrogantes e cínicos, que ao invés de lutarem para levar todos os agressores à Justiça, erguem muros de desconfiança entre os homens e as mulheres, mantendo-os num ambiente de permanente suspeita. Um dia até o amor irão banir, apontando-o como causa de tantas violências sexistas e possessivas, de tantas opressões, injustiças e cegueiras, de tantos crimes e delitos. Que lhe parece, abolimos?