Porque é que, chegados à altura de reconhecermos que perdemos, o melhor que conseguimos é assumirmos que nos sucedeu uma coisa “menos boa”? Ou ficarmos pelo “bom” que representa a aprendizagem que decorre daí, por mais que essas palavras não transmitam qualquer reconhecimento verdadeiro sobre aquilo que nos sucedeu? Ou porque é que, chegados a uma derrota, encontramos um bode expiatório que responsabilizamos, que nos iliba dos nossos erros? Se somos todos crescidos e responsáveis porque somos tão incapazes de assumir: “Sim, perdi!”? “Sim, errei!”? Ou “Sim, não trouxe nada de novo às pessoas que as tenha levado a acreditar mim…”? Porque é que temos mau perder? Seja nas eleições, no desporto, na nossa vida profissional ou, até, na vida pessoal?
Aos olhos de todos nós, só as crianças têm mau perder. Quer quando sentem que estão perto de perder e, à pressa e de forma atamancada, fazem por alterar as regras de um jogo. Ou quando, pura e simplesmente, viram o tabuleiro de jogo e não há como não voltarmos todos à casa da partida. Ou quando amuam e, “cheias de si”, abandonam o jogo porque se entendem lesadas… por não ganharem. Vendo bem, há uma linha muito ténue que separa o mau perder da batotice. Mas vamos já lá. É claro que, vendo bem, haverá sempre quem argumente que o mau perder supõe irreverência, garra ou, mesmo ira. E que essa dor toda, gerada por uma derrota, serve para alavancar a determinação e a motivação com que se vai a jogo, a seguir. E, em parte, é verdade que é assim. Mas o mau perder não é bem isso.
Ninguém gosta de perder! Nem mesmo a feijões. Até porque perder nos desilude e nos magoa. E nos aviva o sofrimento. É claro que, quando recapitulamos aquilo em que falhámos, isso nos leva a aprender; sim. Mas uma derrota nunca se faz à margem da dor. Da capacidade de a aceitarmos. E de nos reerguermos a partir dos erros e dos nossos falhanços. Ou do reconhecimento que outros houve que terão sido, simplesmente, melhores que nós. Perder com honra significa que uma derrota nos pode ajudar a recuperar o orgulho por tudo o que demos, quando competimos. E pela verdade que colocámos na hora de uma derrota. Pela gratidão de crescermos com ela. E pela tenacidade de nos superarmos, a partir daí. É por isso que o confronto, a competição e a rivalidade nos fazem descobrir, saber quem somos, o que valemos e ir mais além e crescer, como mais nada. Logo, o bom perder não supõe que uma derrota se aceite com indiferença ou com desprezo. Não é suposto que se perca de sorriso nos lábios! Aliás, o bom perder significa, ao contrário do que possa parecer, reagir à derrota com tristeza. Mas sem esmorecimento. Assumindo a dor de cara levantada. De olhos nos olhos. E de rosto a descoberto. Mesmo que, a par, se reclame o desafio de uma desforra. E se usem as dores do crescimento para se voltar a jogo. E tentar ganhar.
Por isso mesmo, o mau perder, ao contrário, representa uma forma habilidosa de se retocar uma derrota. E quando isso se repete, traduz alguma inconsistência de carácter. A forma de deixar a nu que não estamos à altura das pessoas com quem competimos, a partir do momento em que não respeitamos as vitórias que os outros conseguiram sobre nós. Por isso mesmo, mau perder é batotice. Sem tirar nem pôr. Porque, por mais que – por exemplo, nos desafios desportivos – sejam desculpados os treinadores que partem cabines, chutam garrafas de água, lançam impropérios ou insultam, nada disso tem a ver com o calor do jogo. Ou com as ganas de ganhar. Terá, simplesmente, a ver com falta de educação. E com carências de carácter tais que as suas competências para serem “o exemplo” faz com que, assim, estejam muito longe de fazer do desporto uma escola de virtudes.
O que se estranha é que a forma como se banalizou o mau perder pareça fazer de quem não reaja dessa maneira alguém um bocadinho jurássico. Como se, como se diz a respeito dos vencedores, lhe faltasse auto-estima. Engraçado, não é?… Afinal, acabamos todos a reconhecer a auto-estima como um pregão. Mesmo quando a assumimos como uma coisa postiça, uma espécie de botox com que se ilude aquilo que não somos ou, simplesmente, como uma falsidade tolerável. Afinal, vivemos num tempo em que “temos” de ser positivos. E, claro, não podemos senão cultivar a auto-estima. Ora, o bom perder vê-se na forma honesta e frontal como se vive uma derrota. E reafirma-se no modo discreto e humilde (pouco vaidoso, se preferirem) como se vive uma vitória. No entanto, aquilo que observamos é que a vaidade casa bem com o mau perder. Quando se ganha, é-se “o maior”. Quando se perde, o mau perder esconde a vergonha. Por falta de capacidade para dizer : “Sim, eu perdi!”. Ou “Sim, eu errei!” Ou, simplesmente: “Sim, (desta vez) não fui capaz!”.
Acontece que estamos numa noite de eleições. Daquelas noites onde, depois de terem trabalhado imenso para os melhores resultados possíveis, quase todos interpretam os resultados como se tivessem ganho. Ou, quando muito, encontram sempre um alibi para dizerem que as suas derrotas são culpa dos outros. É claro que se pode sempre dizer que não se ganham eleições falando verdade. (Mas é mau que se aceite essa “verdade” como se não houvesse qualquer alternativa possível!) Porque é que todos condescendemos com isso? Porque talvez tenhamos os políticos que merecemos. Não que isso suponha uma ideia contra “o sistema”, na política! Mas talvez seja hora de fazermos com que a política se faça com inteligência, com lealdade e com verdade. Doutro modo, como podemos votar, com convicção, e acreditar numa ideia de mundo, de sociedade e de pessoas que cada partido defenda quando parece que, ao chegarmos ao fim duma eleição, quem ganha parece ser (para além da abstenção, tragicamente) alguma batotice ou o mau perder?…