Eu não acho que a verdadeira derrota se dê quando se morre. Nem, sequer, quando estamos doentes. Ou dependentes. Morrer é só uma questão de tempo. E mais tarde ou mais cedo vamos ficar doentes. Nada que signifique vergarmo-nos ao sofrimento. E nos rendermos ou capitularmos perante a vida. É exactamente o contrário! Quanto mais temos consciência da exuberância ou da extensão da dor mais a beleza se torna inadiável. Mais a verdade se impõe e se exige. Mais a bondade acolhe e protege. Mais o amor vence e alumia.

É por isso que eu entendo uma eleição como um desafio dos mais nobres de entre todos aqueles que temos ao dispor para estarmos vivos. Trata-se de grupos de pessoas, comungando ideias e ideais, se juntarem umas às outras e, com alma e em festa, trazerem até si tantas outras mais. Lutando por aquilo em que acreditam. Para que, depois, com humildade, acolherem os resultados. E, reconhecidamente, retirarem deles todas as respectivas consequências. E, fazendo-o, saírem a ganhar. Aceitando a responsabilidade da confiança que colocaram a sufrágio. Aprendendo com os erros. Reconhecendo o mérito dos adversários, mesmo que não partilhem com eles a maioria dos seus pontos de vista. E reclamarem o orgulho por não terem ido pelo enxovalho, pela demagogia que atenta contra a inteligência humana, pelas campanhas sujas ou pelas insinuações torpes com que se tenta conspurcar o carácter daqueles com quem se concorre. No fim, há os que ganham quando ganham. Que, muitas vezes, perdem pela altivez com que ganharam. E, logo aí, demonstram aos que confiaram neles o logro em que caíram. E os que ganham quando perdem. Se se sentirem elucidados por aquilo que uma derrota lhes trouxe. E se por obra dessa dor, tudo isso os levar a descobrir que há derrotas que incentivam a pensarmos mais longe. E a acreditar que sempre que insistimos em estar vivos seremos melhores.

O que custa numa noite de eleições é que muitos dos que concorrem nunca percam. Mesmo quando perdem. Na verdade, desistem de se confiar às suas derrotas e de crescer com elas. E demonstram, nesse momento, que se desencontraram da humildade de reconhecer a dor.

Todas as derrotas são provas de vida! Daí que se morra, mesmo que seja aos bocadinhos, quando não somos capazes de aproveitar a verdade que uma derrota nos impõe. A mitigamos com a vergonha. E responsabilizamos os outros porque ela existiu. A vergonha não tem a ver com termos perdido. Mas com não sermos capazes de reclamar aquilo que temos para dar quando perdemos. Como se em lugar da verdade, da bondade ou do amor persista a irrespirável sensação de que morremos de decepção em cada derrota. E que aquilo que, bem aproveitado, podiam ser vitórias nos traz para a derrota. E nos leva a que rendamos. Ou que capitulemos. Mesmo quando somos capazes de pensar em nome daquilo que é inadiável, e se impõe e se exige.

As derrotas que nos derrubam são aquelas que transformam todas as oportunidades que nos trazem o cedo em tarde demais. Tarde demais para falar com verdade. E tarde demais para fazer contas com a vida. O que, por mais que não pareça, talvez signifique que nos vergámos diante da dor. E ao contrário de renascermos com ela – não sabendo ganhar nem aprendendo a perder – déssemos com as formas como iludimos as derrotas um exemplo assustador de já termos “morrido”.

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