Foi publicada na sexta-feira passada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2014, que revê significativamente os critérios para emissão de portarias de extensão. Estas portarias, embora desconhecidas por muitos, têm um papel importante no funcionamento do mercado de trabalho e, nesse sentido, também em termos das perspectivas de redução ou não do ainda elevado nível de desemprego em Portugal.
Como resulta do Código do Trabalho, as portarias de extensão alargam o âmbito dos contractos colectivos, obrigando todas as empresas de um determinado sector a respeitar as normas negociadas por sindicatos e associações patronais. Estas normas incluem vários aspectos das relações laborais, como a flexibilidade e remuneração do trabalho suplementar ou as remunerações mínimas por categoria profissional, acrescendo aos vários direitos e obrigações que já resultam dos mais de 560 artigos do próprio Código do Trabalho.
Até 2011, as portarias de extensão eram emitidas praticamente em relação a todos os contractos colectivos, o que implicava que a cobertura da negociação colectiva sectorial em Portugal era muito alargada, abrangendo a generalidade dos trabalhadores do sector privado. Esta cobertura alargada decorria independentemente da adequação do conteúdo do contrato colectivo às situações específicas das muitas empresas não envolvidas na sua negociação ou da representatividade dos sindicatos e associações patronais subscritoras.
Este aspeto da representatividade é particularmente importante, na medida em que os níveis de filiação sindical e patronal são significativamente baixos no nosso país. Por exemplo, um estudo do Banco de Portugal indica que, em 2010, apenas 11% dos trabalhadores no sector privado eram sindicalizados. Além disso, os trabalhadores sindicalizados tendem a ter perfis e perspectivas muito diferentes da generalidade dos trabalhadores, uma vez que detêm níveis de antiguidade elevados, vínculos laborais permanentes, e trabalham em empresas de grande dimensão e em sectores de actividade caracterizados por níveis de concorrência baixa. Por outro lado, as empresas filiadas em associações patronais têm em geral também um perfil muito específico, nomeadamente em termos de maior dimensão, anos de actividade e quotas de mercado.
Esta centralização não representativa da negociação colectiva, em vigor até 2011, promovia práticas anti-concorrenciais, indo ao encontro dos interesses de uma minoria de empresas e dos seus empregados, em desfavor de um número alargado de pequenas empresas. Estas últimas, como é sabido, são não só os principais empregadores no país como uma fonte importante de renovação económica e crescimento.
Um estudo recente indica que o emprego total em cada sector é reduzido muito significativamente, em cerca de 2%, na sequência da emissão de uma portaria de extensão. Este efeito resulta tanto da redução das contratações nos sectores afectados, com graves consequências ao nível das perspectivas de quem esteja a entrar ou regressar ao mercado de trabalho, nomeadamente em termos de desemprego jovem, como de um aumento de falências. O estudo também encontra efeitos – neste caso, positivos – das portarias de extensão ao nível do recurso ao trabalho independente (“recibos verdes”), indicando que o aumento de regulação que resulta das portarias acaba por redundar não só em mais desemprego como também em mais informalidade e segmentação. Outro estudo, por investigadores do Banco de Portugal, aponta no mesmo sentido. A própria OCDE têm-se pronunciado também muito negativamente sobre as portarias de extensão em Portugal, tendo mesmo recomendado a sua abolição.
Em Portugal, na sequência dos compromissos assumidos ao nível do memorando de entendimento, o regime de emissão de portarias foi alterado em 2012, passando este a estar sujeito a critérios de representatividade. Dada esta última ser particularmente baixa, nomeadamente porque grande parte das empresas portuguesas escolhem não estar afiliadas em associações patronais, a emissão de portarias de extensão caiu significativamente nos últimos dois anos. Por sua vez, esta quebra do número de portarias, de acordo com os estudos disponíveis, explica parte da recuperação do emprego a que se tem assistido, nomeadamente a partir do início de 2013.
No entanto, com a conclusão do programa de ajustamento e respectiva condicionalidade, esta relevante reforma estrutural, já com resultados ao nível do combate ao desemprego, foi invertida com a Resolução do Conselho de Ministros de sexta-feira passada. A Resolução introduz novos critérios de representatividade tão largos que são preenchidos por praticamente todas as associações patronais, abrindo assim as portas para um regresso completo à situação anacrónica que vigorava até 2011.
Portugal precisa urgentemente de atingir níveis mais elevados de crescimento e criação de emprego. Para tal, é fundamental mudar em termos estruturais, desenvolvendo e solidificando instituições e enquadramentos em que os incentivos individuais estão alinhados com os interesses da sociedade como um todo. A recente decisão do Governo sobre portarias de extensão constitui um passo atrás num caminho ainda longo por percorrer.
Professor no Queen Mary College, Universidade de Londres; ex-secretário de Estado do Emprego (2011-2013)