Ainda que a vitória do PS tenha sido por poucochinho, Portugal foi, em contraciclo com o panorama geral destas eleições, um de apenas três países europeus em que os socialistas venceram. O PS teve em Marta Temido uma cabeça-de-lista com elevada notoriedade mas também com um desempenho muito fraco em campanha – que o PS tenha ainda assim conseguido vencer e ter uma votação acima dos 30% é bastante revelador da eficácia da máquina eleitoral socialista assim como da solidez do apoio de que o partido continua a gozar em alguns segmentos da população, em especial entre os mais velhos e com menores níveis de educação.

Também em contraciclo com o primeiro lugar do PPE a nível europeu, a AD perdeu em Portugal mas conseguiu apesar de tudo uma derrota honrosa que evita males maiores. Luís Montenegro, politicamente arguto, ofuscou a derrota eleitoral com o anúncio na noite eleitoral do apoio à candidatura de António Costa ao cargo de Presidente do Conselho Europeu. O apoio de Montenegro a António Costa – que sintomaticamente optou por não fazer campanha pelo PS nestas eleições europeias – não é surpreendente mas o timing e o modo como foi anunciado condicionam claramente Pedro Nuno Santos. Com um governo liderado pelo PSD publicamente empenhado na candidatura de António Costa para o Conselho Europeu, o líder do PS fica com margem mais reduzida para não deixar passar o orçamento e ser percepcionado como responsável por uma crise política. Adicionalmente, caso a candidatura de António Costa tenha sucesso, o PSD consegue também afastar das próximas presidenciais aquele que seria provavelmente o mais forte e mais agregador candidato à esquerda.

Sem a pressão do voto útil e com um único círculo nacional, estas eram umas eleições europeias com muito potencial para CH e IL mas também aqui Portugal esteve em contraciclo com a Europa. Contrariando a tendência de recuo da sua família política europeia, o partido liderado por Rui Rocha soube aproveitar a oportunidade e conseguiu a sua melhor votação de sempre, superando os 9% e fazendo eleger não só o cabeça-de-lista João Cotrim Figueiredo mas também Ana Martins.

Mas o resultado em mais flagrante contraciclo com a tendência europeia foi o do CH. Com a direita radical em ascensão praticamente por toda a Europa, o CH desaproveitou completamente esta oportunidade. Apesar da propensão nas eleições europeias para voto anti-sistema e de uma vaga europeia que lhe era notoriamente favorável, o partido liderado por André Ventura não só não conseguiu crescer relativamente às legislativas como perdeu cerca de metade do seu peso eleitoral, ficando muito aquém dos mínimos expectáveis. A análise interna mais interessante deste colapso eleitoral veio de Pedro Arroja, num texto intitulado “O tombo do Chega”.

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“Para as legislativas, os portugueses estavam desejosos de mudança, após mais de oito anos de governos PS. Quanto mais um partido berrasse mais esperança dava aos eleitores de que a mudança iria acontecer, e o Chega berrava como nenhum outro. A mudança aconteceu, existe um novo partido no poder e um novo primeiro-ministro. Berrar já não garante o sucesso do passado. O Chega tornou-se o terceiro maior partido do país e agora espera-se dele, não berraria, mas propostas de governação. Mas o Chega tem dois handicaps para o conseguir. O primeiro é a falta de estruturas. O Chega é um partido sem estruturas. As poucas que tinha, como o Gabinete de Estudos e a Comissão Política Nacional, foram desfeitas em razão do último chumbo do Tribunal Constitucional aos estatutos do Partido. Mas já poderiam ter sido reconstruídas há muito. (…) O segundo handicap é a desorientação ideológica em que o Partido caiu a partir das últimas eleições legislativas. O Chega nasceu como um Partido conservador-liberal, conservador nos costumes, liberal na economia. Mas nas últimas eleições legislativas, o seu programa virou consideravelmente à esquerda, tornando-se um programa que, na economia, é vincadamente social-democrata, e noutros sectores, como quando se refere aos animais, uma mera imitação do PAN. Os portugueses já têm dois partidos sociais-democratas, que são o PS e o PSD, e não precisam de um terceiro. Na ânsia de agradar a todos, o Chega perdeu identidade ideológica. Por isso, enquanto todos os partidos da direita conservadora-liberal subiram nas últimas eleições na Europa, o Chega caiu para  metade da sua votação nas legislativas.”

Sendo inequivocamente um muito mau resultado, esta pode ainda assim ser uma valiosa oportunidade de aprendizagem para o partido e para André Ventura em particular. O sucesso do CH assenta em dois factores: uma conjuntura (interna e externa) favorável que gerou uma oportunidade e um empreendedor político com características únicas em Portugal que a tem conseguido aproveitar. Mas nenhum partido pode sobreviver a prazo assente apenas numa pessoa, por muito talentosa que seja. Como também nenhum partido é completamente imune à apresentação de um cabeça-de-lista que notoriamente não cumpra mínimos para o que uma campanha eleitoral contemporânea exige. E dificilmente um novo partido conseguirá crescer de forma sustentável sem uma identidade consistente, que se vá reforçando ao longo do tempo, o que é incompatível com a tentativa de agradar a todos ao mesmo tempo.

Em contraciclo com o panorama europeu, em Portugal os socialistas ganham e, em comparação com as eleições legislativas, a direita radical sofre fortes perdas e os liberais crescem de forma muito substancial. Mas importa assinalar que estas eleições europeias confirmaram que Portugal virou mesmo à direita. Apesar da vitória do PS, da derrota da AD e da forte quebra do CH, a direita com representação parlamentar (AD, CH e IL) obteve ainda assim cerca de 50% dos votos, bem acima dos cerca de 45% que foram para PS, BE, CDU, L e PAN.

Uma viragem de Portugal à direita que se torna ainda mais evidente se compararmos a distribuição de mandatos resultante das eleições europeias de 2024 com a das das eleições europeias de 2019. Há cinco anos, os resultados proporcionaram dois terços dos mandatos à esquerda: nove para o Grupo dos Socialistas e Democratas (do PS), quatro para o Grupo da Esquerda (dois do BE e dois da CDU) e um para o Grupo dos Verdes (do PAN), com os restantes sete para o Partido Popular Europeu (seis do PSD e um do CDS). Desta feita, apesar de o PPE manter os sete mandatos, o panorama alterou-se drasticamente, com o Grupo Renew, dos liberais, a obter dois mandatos (da IL) assim como o Grupo Identidade e Democracia (do CH) e a esquerda a ficar reduzida a dez mandatos: oito dos Socialistas e Democratas (do PS), dois para o Grupo da Esquerda (um do BE e um da CDU).