Vasily Vasilevich é o responsável pelo Departamento Português da Divisão de Promoção do Populismo em Democracias, a mais destacada fábrica russa de fake news. Como sempre, sente-se nervoso por ir reunir com o Director Guzev Guzevich, a lenda viva da desinformação, o Super-Troll que, com apenas 3 posts de Facebook, consegue introduzir o vírus do populismo em regimes democráticos. Foi ele a convencer os americanos a elegerem Trump, os ingleses a optarem pelo Brexit e os brasileiros a votarem em Bolsonaro. Vasily sente o peso da responsabilidade. Respira fundo antes de entrar.

– Posso, chefe?

– Entra, Vasily Vasilevich. Senta-te. Sabes que acompanho a situação de Portugal com carinho.

– Não sabia, chefe.

– Estive lá em 1975. Era um jovem oficial do KGB, a recolher informação do PCP.

– Espere, o PCP dava informação a uma potência estrangeira? O PCP anti-Europa, que abomina ingerência externa?

– Esse mesmo. Na altura estava doido para se enfiar na cama connosco. Metafórica e literalmente. Fartei-me de brincar ao gulag com fogosas camaradas alentejanas – os olhos de Guzevich brilham. – Mas não foi para isso que te pedi para vir cá. Chamei-te por causa do pedido de mais recursos para o teu Departamento. Há aqui uma coisa não percebo.

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– O quê, chefe?

– Não faz sentido. Não parece haver necessidade de mais gente. Por exemplo, a forma como estás a trabalhar o CDS. Só no último mês, o teu Departamento conseguiu passar a ideia de que um partido que sempre defendeu o rigor orçamental, agora é a favor devolver tudo aos professores. Mais: inventou a questão das passadeiras gay para mostrar o CDS a contradizer-se outra vez. Já para não falar do candidato às Europeias que diz que o Vox não é de extrema-direita. A tua equipa está de parabéns! São estas fake news que criam desconfiança em relação aos partidos do sistema. Pelos vistos, tens recursos suficientes.

– Não fomos nós, chefe – disse Vasily.

– Como assim, “não fomos nós”? Quem foi?

– Não foi ninguém. Ou melhor, foi o próprio CDS. Isto é tudo verdade. Aconteceu mesmo. Não tivemos nada a ver com isso.

– A sério? Esquisito. Bom, mas nas notícias que saem sobre o PSD nota-se bem nossa assinatura. Mesmo que, como no CDS, a reviravolta em relação ao esbanjamento orçamental seja verdadeira, as reacções do PSD são claramente escritas e disseminadas pelos nossos perfis falsos do Twitter. O líder do partido a desautorizar o próprio grupo parlamentar, a fazer marcha-atrás enquanto diz que não está a fazer marcha-atrás, a culpar os jornalistas, mostrando uma veia censória muito pouco democrata? É genial por tua banda, Vasily! O povo olha para isso e vai logo à procura de um fascista em quem votar.

– Obrigado, chefe. Mas também não fomos nós.

– Também não? Ok, não especificamente nesse caso dos professores, mas a imagem pública de Rui Rio, um auto-proclamado campeão da ética que se rodeia de malta que falsifica presenças no Parlamento e autarcas com negócios manhosos, é fabricada pelos teus bots nas redes sociais, correcto? Ali a espalhar informação errada, mesmo à bruta?

– Nada. Tudo feito pelo próprio PSD.

– Ó diabo! E o caso do gestor de redes sociais que criou perfis falsos, mas foi facilmente descoberto? Tão tosco que é óbvio que foi um dos nossos estagiários inexperientes?

– Era bom que tivesse sido, chefe. Mas não, o PSD é mesmo assim.

– Inacreditável. Eu lembro-me de Portugal como um país meio chalupa, mas isto ultrapassa tudo. Enfim. Agora, sobre o partido do Governo é impossível que não tenhamos sido nós a lançar as fake news, certo?

– Por exemplo, chefe?

– O Governo dizer que virou a página da austeridade, ao mesmo tempo que os hospitais têm listas de espera enormes, os transportes públicos estão um caos, os professores ameaçam não fechar o ano lectivo. Essa impostura é criada artificialmente por ti, não é?

– Não. É verdade.

– Terem baixado o preço dos passes, o que aumenta o número de passageiros, ao mesmo tempo que a CP avisa que não tem material em condições, o que reduz o número de viagens, isto tudo durante a campanha eleitora do ex-ministro responsável pelo pelouro? É, obviamente, uma incompetência inventada aqui?

– Não. É verdade, também.

– Aparecer agora o milionário usado pelo Governo PS de um ex-PM acusado de corrupção (do qual o actual PM foi número 2) para controlar um banco privado com recurso a empréstimos do banco público, que não são pagos? Um boato maldoso lançado por nós?

– Verdade.

– O Governo perseguir a Ordem dos Enfermeiros em retaliação por uma greve? Manipulação nossa, a fingir autoritarismo?

– Verdade.

– O SIRESP não estar a postos, num país onde ainda há dois anos morreram mais de 100 pessoas em incêndios?

– Tudo verdade, chefe.

– Porra, Vasily! Então, mas o que é que andas a fazer, pá? Ia dizer que o teu departamento não precisava de mais recursos porque estás a fazer um bom trabalho com o que tens, mas afinal o teu departamento tem é recursos a mais. Portugal não necessita dos nossos trolls, nem das nossas fake news. Os partidos tradicionais encarregam-se de escangalhar a imagem da democracia. Não vou autorizar a contratação de mais gente para escrever fake news que se fazem sozinhas.

– Mas não é para isso que eu preciso de mais gente, chefe.

– Então?

– Preciso de gente para suavizar a realidade. Pegar nas notícias que os partidos geram e transformá-las em fake news a favor do sistema. A realidade é tão palerma que parece ficção. As pessoas lêem as notícias e acham-nas tão absurdas que julgam logo que somos nós a inventá-las. E assim já não lhes ligam. Continuam a respeitar os partidos porque não os consideram capazes de tanta parvoíce. Nós precisamos de tirar estupidez às notícias verdadeiras, para as pessoas acreditarem nelas e, aí sim, virarem-se contra o sistema.

– Estou a ver…

– As pessoas até podem acreditar que a Hillary Clinton geria uma rede pedófila a partir de uma pizaria, mas não são tão crédulas ao ponto de acreditarem que há mais de 50 relações familiares no Governo e ninguém faz nada.

– Mas há mesmo? Não é fake news?

– Não, é mesmo verdade.

– Meu Deus. De quantas pessoas extra precisas?

– Umas 5.

– Dou-te 10. Boa sorte. Vais precisar.