Não tem sido meu hábito, em discussões sobre a legalização da eutanásia, usar como argumento uma pretensa motivação económica dos partidários dessa legalização. Sinceramente, não acredito que exista tal motivação na grande maioria dessas pessoas. Recordo-me bem de o ter afirmado num debate em que interveio o Dr, João Semedo (entretanto falecido), o qual se sentiu ofendido por tal ter sido insinuado, insinuação e ofensa que eu quis dissipar com toda a clareza.

Mas eu disse também, na altura, que com frequência os efeitos de uma lei são, em relação ao legislador histórico, preterintencionais, isto é, vão para além das intenções das pessoas que as aprovam, ganham uma dinâmica própria que é independente dessas intenções.

É o que sucede com o fenómeno da chamada “rampa deslizante”, isto é, da tendência a um alargamento progressivo e irreversível das situações abrangidas pela legalização da eutanásia. Esse alargamento dá-se por razões lógicas e previsíveis, porque se abriu uma brecha que conduz a uma derrocada que não é possível conter, independentemente das intenções de quem possa ter aprovado a lei com a sincera intenção de restringir a sua aplicação a situações limite, Foi o que salientou a Associação de Juristas Católicos na comunicação que apresentou na audição parlamentar sobre os projetos em discussão.

Na discussão sobre a legalização da eutanásia, também já ouvi quem rejeitasse tal legalização, não por uma questão de princípio (como sucede comigo e muitas outras pessoas), mas pelo perigo de se cair no recurso a essa opção por ser a mais económica, rejeitando outras mais onerosas, como a dos cuidados paliativos. Também neste aspeto, trata-se de um perigo que escapa às intenções dos responsáveis pela sua legalização. Recordo-me bem de ter ouvido a defesa desta posição pela Drª Maria de Belém Roseira na primeira das conferências sobre este tema organizadas pela Presidência da República e pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciência da Vida. Ela tinha em especial consideração a situação concreta dos serviços de saúde portugueses e a as suas carências.

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Esse perigo é real, se considerarmos, além do mais, que as carências dos serviços de saúde tenderão a acentuar-se cada vez mais, em todo o mundo, com o envelhecimento da população e o acréscimo dos custos com doenças decorrentes desse envelhecimento.

Uma notícia recente veio alertar-me ainda mais para esse perigo.

Um estudo canadiano oficial (do gabinete parlamentar relativo a questões orçamentais) analisou a poupança que representou até agora a legalização da eutanásia e do suicídio assistido, calculando as despesas decorrente do recurso a essa prática no confronto com as (muito mais elevadas) despesas que representaria o recurso aos cuidados paliativos no mesmo número de casos. E analisou também a poupança que decorrerá do futuro alargamento da legalização da eutanásia e do suicídio assistido a situações de doença incurável não terminal, que é objeto de um projeto de lei atualmente em discussão, o qual surgiu na sequência de uma decisão judicial que considerou tal alargamento uma imposição do princípio da igualdade.

Começa por salientar esse estudo que os custos sanitários relativos ao último ano da vida correspondem a cerca de dez a vinte por cento das despesas totais dos serviços de saúde, quando a população nessa fase final da vida corresponde apenas a cerca de um por cento da população total do país.

Concluiu esse estudo que a poupança resultante, até agora, da legalização da eutanásia e do suicídio assistido se cifra em cerca de 86 milhões de dólares canadianos. O futuro alargamento da legalização da eutanásia e do suicídio assistido a situações de doença incurável não terminal representará uma poupança adicional de cerca de 62 milhões de dólares canadianos, O total desses dois tipos de poupança ascende a cerca de 149 milhões de dólares canadianos (cerce de 95 milhões de euros).

Os autores deste estudo têm o cuidado de afirmar que com ele não pretendem influenciar as opções legislativas, mas apenas contribuir para a “transparência orçamental” das questões envolvidas. Mas a atenção a esta questão financeira não poderá ser inocente (não será, obviamente, uma simples questão de curiosidade ou “transparência”). É ingénuo e irrealista pensar que estas considerações hão de ser ignoradas quando se optar pelo recurso à eutanásia ou ao suicídio assistido.

Não podemos ignorar a evidência do perigo que está em causa: que a eutanásia e o suicídio assistido se tornem uma opção por ser a mais fácil e económica no confronto com outras, desde logo a do recurso aos cuidados paliativos. Ignorar esse perigo é fechar os olhos à realidade e não é próprio de um legislador sensato. Este será mais um motivo para rejeitar a legalização da eutanásia e do suicídio assistido.