Não, não é uma adivinha nem uma charada, é sim a nova “trend” das redes sociais, nacional e internacional. Quando me deparei com a pergunta pela primeira vez, a resposta foi instantânea e espontânea e pensei “um homem, claro, o urso é um animal selvagem que me pode atacar ou comer”. Abri a caixa de comentários por curiosidade e mais curiosa fiquei quando foram surgindo dezenas de mulheres a dizer “o urso, porque o pior que pode fazer é matar-me”, “o urso, porque ninguém vai dizer que eu queria ser atacada por um urso ou que a culpa era da minha roupa”, “o urso, nem preciso de pensar”.

Refleti e invadiu-me uma sensação de estranheza, mas também de tristeza. Pensei para mim própria: mas será que sou só eu que preferia um homem? Perguntei a algumas mulheres próximas o que preferiam, mas quase ninguém me deu a resposta tão perentória que eu dei, e que tanto desejava ouvir outra vez: “um homem, sem dúvida”.

Algumas mulheres baseiam-se em experiências passadas para dizer que preferiam o urso (e atenção, tenho toda a solidariedade e lamento profundamente quem tenha passado por qualquer tipo de violência pelas mãos de qualquer homem ou de qualquer mulher). O trauma é uma perturbação complexa, e rapidamente escolheríamos o urso em vez de qualquer pessoa que nos tenha magoado e, aí sim, percebo que um homem possa representar aquele pai abusivo ou uma mulher possa representar aquela mãe abusiva.

Outras mulheres baseiam-se nas estatísticas para dizer que preferem o urso. Sim, estatisticamente há mais serial killers do sexo masculino, há muito mais violadores do sexo masculino, mas porque generalizamos estes números a qualquer homem que nos possa aparecer à frente? Mas que triste seria a vida se fosse só feita de estatísticas. A generalização é uma arma muito poderosa da nossa (in)capacidade cognitiva. É também uma arma do preconceito e que nos afasta uns dos outros. Que desesperança e que desconfiança é esta que andamos a semear? Li um comentário de um rapaz que me chamou à atenção e que passo a citar “Porque supuseram que o homem vos ia fazer mal?”. As respostas mais comuns das mulheres foram, precisamente, ou por “experiência” ou por “estatística”. Mas o que é isto da estatística? E estatisticamente um urso vai ser como o Winnie The Pooh, que come mel e é muito brincalhão? É claro que estou a brincar, mas pensei em tantos aspectos positivos perante a hipótese de ser um homem em vez de um urso atrás de mim, aliás, pensei logo que podíamos ajudar-nos mutuamente a sair da floresta. Para mim, mais do que revoltante, é profundamente triste que cada vez mais as mulheres estejam a associar os homens à violência e a “um grupo inimigo”. Agora, haveria de certeza quem me respondesse: “mas já viste os homens, já viste como eles são?”.

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Vou entrar numa pequena história pessoal que provavelmente não prova nada, mas que talvez signifique qualquer coisa (nem que seja para mim): há uns tempos escrevi um artigo sobre o livro Identidade e Família, o qual me valeu mais de 500 comentários no Facebook, a esmagadora maioria com insultos de uma imaginação vertiginosa para o ódio. A maioria destes comentários foram de homens, muitos quiseram atacar a minha opinião apenas por eu ser uma mulher. O que eu retirei desta experiência foi que ainda há um caminho a percorrer na igualdade da forma como são respeitadas as opiniões das mulheres. O que eu também retirei desta experiência foi que, apesar dela, continuo a não pensar que os homens são todos iguais e que seguramente prefiro estar sozinha na floresta com um homem do que com um urso. O mundo anda tão estranho que quase que adivinho que as mulheres que preferem um homem iam ouvir comentários de outras mulheres como “então era mesmo bem feita que fosses violada por um homem para veres que mais valia escolher o urso”.

Quase todas as mulheres que preferem um urso têm ou tiveram um pai na sua vida, se foi um bom ou mau pai, isso eu já não sei. Eu tenho um excelente pai, um excelente irmão que um dia há de ser um homem, um excelente companheiro. Será que sou eu que sou privilegiada por ter homens na minha vida que me fazem sentir orgulho nos homens? E eu nem gosto desta espécie de cisão que fazemos entre homens e mulheres. Não somos uma manada para que nos possamos referir aos “homens” e às “mulheres”, como se nos estivéssemos a referir a grupos rivais numa seita. O feminismo e o machismo levados ao expoente máximo alimentam o estilo de mentalidade “manada” – somos todos iguais e quando um corre, desatamos todos a correr atrás. “Onde um mata, todos matam.” Recuso-me a pensar assim.

À boa maneira dos cognitivo-comportamentais, os pensamentos provocam sentimentos que influenciam comportamentos. Se eu acreditar que corremos todos para o Norte, é bem provável que nunca chegue a conhecer o Sul. Ainda é tempo de não ensinarmos os futuros homens e as futuras mulheres a correrem cegos na direção da “manada”. A Psicologia moderna, aliada aos ensinamentos dos seus antecessores, já nos ensinou, com o eterno debate nature vs nurture (inato ou adquirido), que o ser humano não é uma tábua rasa completa, como disse o filósofo John Locke. No entanto, é bem provável que pelo menos metade de um bebé seja uma tábua rasa, à espera de amor e de tantas outras coisas, e a beleza que isso representa é também uma responsabilidade tremenda. E não é num mundo em que os rapazes crescem a acreditar que vão magoar as raparigas e em que as raparigas crescem a acreditar que os rapazes as vão magoar que vamos mudar os comportamentos que recriminamos hoje.

“O inferno são os outros” e os ursos somos nós…