O excesso de burocracia, a degradação do espaço físico escolar, mas também da ética e moral, a cedência ao pequeno crime e à má educação, a cultura de facilitismo para OCDE ver, as mudanças constantes de regras e programas e a cumplicidade com o poder na era da Geringonça do tradicional sindicato, a Fenprof, constituem o insuportável enquadramento que os professores enfrentam. O salário, a carreira, as décadas para integrar o quadro de uma escola são o topo de uma montanha de problemas que se foram acumulando. Ninguém pode estranhar que cada vez menos pessoas queira ser professor, até porque, com o que se passa no ensino público, já se consegue ser muito pouco professor.

Quem tiver sido professor há quatro décadas e olhar para o que faz hoje, a maior diferença que encontra é o desrespeito na escola e a quantidade de papéis que tem de preencher por exigência do Ministério da Educação. Papéis que assumem uma dimensão ainda mais significativa se o professor, em determinados anos e circunstâncias, se atrever a avaliar de forma negativa um aluno. Os burocratas adoram expandir o seu poder e basta entrar neste instituto, o IAVE – Instituto de Avaliação Educativa, para percebermos como a burocracia capturou a educação e está à beira de a destruir – como reiteradamente os professores se têm queixado, mesmo que indiretamente.

Um pequeno parêntesis. A educação não é a única vítima deste aumento exponencial de burocratas que inventam papéis para preencher. Há outros sectores, como o da Saúde, enquanto as empresas são em geral vítimas de quase todos os serviços públicos em matéria de pedidos de informação e preenchimento de papeladas. O custo destes burocratas é seguramente uma das razões para a falta de dinheiro para pagar melhor a professores, médicos, enfermeiros ou mesmo juízes e polícias.

O preenchimento de papelada é ainda o “incentivo”, chamemos-lhe assim, para os professores evitarem as notas negativas. Aqui o olhar dos burocratas, em cumplicidade com os governantes, vai para as estatísticas. É preciso aparecer com bom aspeto nos retratos que a OCDE faz da educação. E daí até manipular a realidade vai um passo, com total desprezo pelos danos que estão a provocar ao futuro dos alunos e à desvalorização dos professores.

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Claro que esta manipulação dos resultados educativos está mascarada pela necessidade de apoiar melhor quem tem mais dificuldades. O resultado é deixar passar quem não sabe, acrescentado o problema do facilitismo que se contamina aos pais ou educadores. Quando falamos com professores é impossível não ficar boquiaberto com o que contam do que é a relação de alguns pais com a escola, a sua falta de exigência em todas as vertentes da educação – da relação com os professores e com a escola até àquilo que devem aprender. Alguns filhos são tratados como quem nem sequer se pode esforçar por aprender.

A escola foi-se transformando num sítio em que o professor é desrespeitado, não tem condições nem físicas, nem, em alguns casos, de segurança para ensinar. A situação agrava-se nos estabelecimentos situados em zonas de choques de culturas, com professores e polícias naturalmente receosos de intervir para restabelecer a ordem, não vão eles gritar que estão a ser vítimas de racismo, filmando-se para uma rede social ou chamando uma televisão.

Os incentivos estão todos alinhados para degradar a escola. Se não me podem reprovar porque vou estudar? Se não me podem castigar, sem um relatório que até pode prejudicar o professor se eu for esperto, porque é que não me comporto como um selvagem? São perguntas fáceis de responder. De tal maneira que bem podemos considerar, face às escolas que ainda temos, que a maioria dos pais ou educadores são cidadãos decentes que actuam em colaboração com os professores. Porque os maus incentivos estão todos lá, e bem podemos agradecer aos burocratas que no aconchego dos seus gabinetes em Lisboa inventaram papéis e retiraram poder e autonomia aos professores e à escola.

Enquanto tudo isto se ia passando nas escolas, o sindicato tradicional dos professores, a Fenprof, foi-se concentrando apenas nos salários, contribuindo ainda mais para que os outros portugueses desrespeitassem os professores. Durante a era da Geringonça nunca foi capaz de denunciar o estado de crescente degradação do ensino público, depois de no passado não ter contribuído para repor o respeito pelos professores. Só quando os professores começaram a falar sem ser sob o chapéus da Fenprof, já com o novo sindicato, o Stop, se começou a generalizar a compreensão de que não estavam a lutar apenas pelo salário a que têm direito. Estão e estavam a lutar pela educação, especialmente pelo direito ao ensino daqueles que têm menos rendimentos.

Quem tem dinheiro já tem os filhos na escola privada. Nem precisa ser rico, basta valorizar a educação dos filhos e vamos ver algumas famílias pagarem, com sacrifício, o ensino. E se escavarmos bem, descobrimos como é generalizada a hipocrisia entre os que fazem juras ao ensino público e têm os filhos no ensino privado.

A degradação da escola pública é mais um factor a contribuir para o agravamento das desigualdades, juntando-se à transição para a inteligência artificial. Estamos a construir uma sociedade de tribos em silos, com ricos ou educados de um lado e pobres e malformados do outro, sem se conhecerem nem conseguirem falar uns com os outros, com as consequências sociais e políticas a que temos assistido nos EUA e no Brasil.

Quando ouvimos os testemunhos dos professores e percebemos o que se está a passar na escola pública, vemos que a proposta do ministro da Educação João Costa, com mais mudanças e com o risco de agora ver autarcas envolvidos na sua carreira e na vida escolar, foi a gota de água que os fez dizer basta. Mal pagos e mal tratados, sem condições para ensinarem, este é o tempo da revolta dos professores a mostrarem ao Governo que os erros podem levar tempo a pagarem-se, mas pagam-se.