Criou-se em Portugal a ideia errada que todos os médicos são privilegiados, que auferindo salários acima da média estão constantemente em greve reivindicando melhores condições remuneratórias, insensíveis ao que se passa à sua volta e à crise que aconteceu no país. A verdade é que a profissão médica apresenta das maiores taxas de suicídio, numa recente revisão sistemática. Mata, D. A. et al., em Prevalence of Depression and Depressive Symptoms Among Resident Physicians, JAMA 314, 2373–2383 (2015), estimaram que que a prevalência de sintomas depressivos entre médicos internos era de 28,8% (20,9% – 43,2%). A profissão médica sempre foi atractiva porque significava emprego garantido pois sobravam vagas para realizar o internato médico, porém o panorama alterou-se nos últimos anos.

Até há relativamente pouco tempo, para um médico poder exercer medicina de forma autónoma, era necessário que concluísse o seu processo de formação numa especialidade. Por exemplo, para ser o seu médico de família, o jovem médico recém-formado teria primeiro de integrar o internato em Medicina Geral e Familiar. No entanto o regulamento do internato médico foi alterado e atualmente já não é necessário uma especialidade para que o jovem médico exerça medicina. Assim, estes jovens médicos integram as equipas de urgência dos hospitais, sem qualquer formação ou evolução como aconteceria caso estivessem no internato de uma especialidade.

Apesar dos longuíssimos tempos de espera para conseguir uma consulta de especialidade num Hospital Público, o Ministério da Saúde diminui este ano o número de vagas para o Internato Médico, deixando de fora centenas de médicos sem especialidade. A maioria das pessoas não entende o que isto significa, e cabe aos médicos tentar explicar-se da melhor forma. E o que isto quer dizer não é (ainda) desemprego médico, mas é sim uma saúde para ricos e outra para pobres.

Se esta noite precisar ir com o seu filho à urgência de um Hospital público poderá ser atendido, consoante o grau de gravidade, por um médico interno de ano comum que ainda não iniciou a sua formação específica, por um interno de Pediatria ou por um médico especialista em Pediatria ou em Medicina Geral e Familiar. Na verdade, com esta redução do número de vagas, este governo que tanto apregoa a defesa do SNS está a criar um “exército” de médicos sem especialidade que trabalharão apenas nas urgências sem qualquer acompanhamento e com plena autonomia.

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Os mais incautos poderão dizer que são apenas os médicos a tentar evitar o desemprego médico e a baixa de salários, pois estes profissionais trabalharão inevitavelmente a um custo mais reduzido. Mas não se iludam: este será um problema de saúde pública e de justiça social, pois haverá sempre quem tenha hipótese de escolha e procure apenas médicos especialistas ou em formação, enquanto os mais pobres, aqueles que não tiverem opção de escolha, estarão privados dos melhores cuidados de saúde. A situação é tanto mais reprovável quanto é a própria Ordem dos Médicos que indica que hospitais e centros de saúde podem receber internos, tendo reduzido este ano o número de vagas. É necessário um novo modelo que determine que hospitais e quantas vagas para internos esses hospitais e centros de saúde podem abrir – o governo não pode deixar apenas nas mãos da OM o futuro de centenas de médicos e da saúde dos portugueses.

Os jovens médicos não querem um regime de excepção, estamos habituados a avaliações e achamos que estas são a melhor forma de evoluir e aprender. Queremos sim prestar serviços de qualidade e evitar o desperdício do investimento feito pelos portugueses na formação de médicos que será a emigração de centenas destes profissionais.

É urgente que o governo preste contas. Porque é que uma consulta de especialidade chega a demorar anos em certos hospitais? Se é por falta de médicos especialistas porque não abrem então mais vagas de internato? Os médicos, mas sobretudo os portugueses, merecem respostas.

Licenciado em Medicina