Decorre por estes dias em Lisboa um congresso em que, segundo as notícias, os jornalistas são convidados a resolver o seguinte “paradoxo”: a imprensa existe para servir o “interesse público”, mas o “modelo capitalista que sustenta as empresas jornalísticas impõe” o “primado do lucro financeiro”. De facto, o paradoxo que daqui decorre é outro: como é que profissionais que dizem trabalhar para informar o público podem estar, eles próprios, tão pouco informados?
A contradição entre interesse público e lucro privado é, na imprensa como em outras actividades, uma contradição falsa. Empresas financeiramente saudáveis são a maior garantia de independência e desenvolvimento da comunicação social. Se um jornal, rádio ou televisão der lucro, é porque teve a força necessária para atrair leitores, ouvintes e espectadores, e também anunciantes e outros parceiros. Só assim a imprensa pode ser o “quarto poder”. Nenhum poder é poder se estiver falido e dependente.
Mas não é assim que se encara a imprensa em Portugal. Demasiada gente, perante as dificuldades de um grupo de comunicação social, chama logo o Estado. Eis outro paradoxo, se quiserem descobrir paradoxos. Estamos num país onde foi o Estado, depois das nacionalizações de 1975, quem levou ao descrédito e à ruína a grande imprensa do século XX. Lembram-se ou ouviram falar de O Século? O Século foi o mais influente e próspero jornal diário que alguma vez existiu em Portugal. Até ao dia em que passou a ser propriedade do Estado. Ao fim de dois anos, fechava. Como é possível, com esta história, falar da propriedade ou do financiamento públicos como remédio para a comunicação social?
Não, o problema aqui não é só o Estado ser geralmente mau gestor. O problema é que Estado e comunicação social não foram feitos para viver juntos. A propriedade pública ou o financiamento público directo são fatais à imprensa. No caso da propriedade, porque a partir do momento em que direcções de jornais, rádios ou televisões são nomeadas em conselho de ministros, não é possível levar a sério esses jornais, rádios ou televisões: é que se a comunicação social não servir para escrutinar com independência o Estado, o maior poder que existe na sociedade, então serve para pouco. No caso do financiamento público directo, porque o dinheiro do Estado, no caso da comunicação social, é tão nefasto como os trinta dinheiros de Judas. Se o Estado financia um jornal ou um grupo de comunicação social e não financia os outros, está a viciar a concorrência e a lesar os jornais e grupos que não apoia. Se financia a todos transversalmente, o seu critério de distribuição só pode ser o do status quo, e essa é a melhor maneira de impedir a inovação e a reinvenção da imprensa, e de garantir que a comunicação social acabará por consistir num amontoado desesperado de zombies sem prestígio e sem público.
Sim, a comunicação social tem muito problemas, a começar pelos que decorrem do pouco dinamismo da economia portuguesa. Mas o Estado proprietário ou financiador directo não é a solução. O destino do Estado, enquanto proprietário ou financiador directo, é destruir “o quarto poder”. Há, no entanto, outras coisas que o Estado pode e deve fazer, como ontem lembrou António Carrapatoso no Observador: por exemplo, instituir autoridades reguladoras independentes para manter os mercados abertos, e salvaguardar uma concorrência salutar.
Nada seria mais saudável para a democracia e a liberdade em Portugal do que ter jornais, rádios e televisões que dessem lucro. Teríamos enfim um verdadeiro “quarto poder”. É de facto paradoxal que haja um congresso de jornalistas onde a verdadeira solução seja vista como o problema