Há uns anos, estava eu num gabinete de estética, com uma esteticista que conhecia há ainda mais anos, que tinha sido avó há pouco tempo. No meio da conversa contou-me como seria o arranjo para o bebé quando a nora voltasse a trabalhar. Era simples. A nora trabalhava num grande centro comercial nos arredores de Lisboa, com os horários alargados dos centros comerciais, que à volta tinha mais umas tantas lojas de grande dimensão também abertas quase permanentemente. Pelo que tinham aberto uma creche junto a todos estes empreendimentos comerciais que estava aberta até à meia noite, de forma a acomodar os horários parentais.
Repito: uma creche aberta até à meia noite. A dita nora inicialmente estaria dispensada de trabalho noturno, no entanto permanecia o facto de, às portas de Lisboa, termos uma creche aberta até à meia noite. Com crianças pequenas que seriam todos os dias deitados em camas que não eram as do seu quarto, diferentes daquelas onde acordariam, sem mimo antes de irem dormir, colocadas na cama por um cuidador profissional em vez de por um adulto de referência.
Lembro-me desta história sempre que oiço falar de políticas para a conciliação entre trabalho e família e, sobretudo, sobre o tema cada vez mais premente da natalidade. Sendo que, curiosamente, as discussões sobre natalidade costumam passar ao lado destas discussões. Tradicionalmente a resposta dos partidos políticos para solucionar a natalidade passa por aconselhar imigração (a preferida do PS), ponderar as prestações sociais que mais propiciem a escolha de ter filhos e propor a cobertura total e a gratuitidade da educação de infância (vai nesta linha o último documento do PSD para a natalidade – que está bem feito e é um bom princípio de discussão). Os partidos também andam à bulha a propósito dos descontos para o IRS a cada filho. Com o PS com a posição demagógica de penalizar fiscalmente quem tem maior capacidade de ter filhos.
Claro que todas estas ideias devem ser debatidas, discutidas, medidas. Uma ótima medida fiscal seria possibilitar que os pais descontassem para o IRS todas as despesas de educação e saúde dos filhos, bem como poderem descontar até um certo valor (poderia ser igual para todos) o que gastam nesses sorvedouros de dinheiro imparáveis para os pais de bebés que são a roupa, brinquedos e fraldas.
Mas não chega. Enquanto se persistir no unicórnio das mulheres poderem trabalhar a meio tempo – que não vai acontecer porque em Portugal os salários a tempo inteiro já são miseráveis e porque as mulheres estão cada vez mais investidas nas carreiras – e se torcer o nariz a trabalho feito em casa e ou se considera mau profissional quem usa estratégias de flexibilização do trabalho, a discussão sobre natalidade será inútil. Há tempos uma amiga minha, dona de uma grande agência de publicidade, dizia-me que lhe era indiferente que uma mãe ficasse a trabalhar em casa por uns dias quando tinha o filho doente – e que recebia exatamente o mesmo fluxo de trabalho das pessoas que estavam nessa situação. O pai das minhas crianças trabalhou vários anos numa multinacional que promovia que se trabalhasse ocasionalmente de casa. Inúmeras vezes ficou em casa quando os miúdos estavam doentes, sem que tivesse qualquer interrupção no trabalho. Tal como eu fazia noutros dias. São circunstâncias normais para as empresas que entendem que saímos do tempo das linhas de montagem das fábricas do início do século XX.
Acima de tudo, enquanto continuarmos com esta ideia de que um bom profissional é alguém que trabalha muitas horas – ou, melhor, alguém que passa muitas horas no local de trabalho – não vamos convencer pessoas a terem filhos. Estava a reunir informação para este texto quando encontrei o artigode Sandra Maximiano sobre as vantagens de trabalhar menos tempo. Pelo que recomendo que o leiam, com os casos e as reflexões que faz.
Temos de começar a discutir horários de 35 horas. Ou, pelo menos, a possibilidade de encurtar o horário se as tarefas estão concluídas ou, ainda, estabelecer-se que parte do horário das 40 horas poderá ser feito fora do escritório. Todos sabemos que quanto mais longos são os horários mais tempos de distração as pessoas necessitam. Não tenho nenhuma resposta definitiva, mas temos de debater e ponderar mudanças. Pessoas que não têm vida além do trabalho não são pessoas produtivas – pelo menos em trabalhos que envolvam relações interpessoais, análises de consumidores e parceiros de negócios, tendências, estratégias, enfim, tudo o que inclua conhecer o mundo e as mudanças na vida das pessoas.
Dir-me-ão que nada disto tem a ver com partidos políticos, apenas com empresas e sociedade. Não é verdade. A coligação que governou durante a troika desonerou o trabalho noturno. Naqueles anos tão difíceis para as empresas claro que foi uma boa medida, mas agora há que desfazê-la e, pelo contrário, tornar mais caro para as empresas o trabalho aos fins de semana e fora das horas tradicionais de expediente. Aumentar os subsídios de turno (que desorganizam a vida a qualquer família) e as compensações por isenção de horário. Eliminar disparates como a imposição de não se poder ter uma paragem para almoço de menos de uma hora (quando há quem queira almoçar em menos tempo para sair mais cedo). Bonificar a taxa de IRC das empresas cujos trabalhadores usufruem de mecanismos de flexibilização do trabalho. Permitir que mães e pais divorciados que estão com os filhos parcialmente tenham horários diferenciados nas semanas em que têm as crianças e nas semanas em que não. E por aí adiante.
Mas se calhar é verdade, não passa pelos partidos. Passa por pensarmos e notarmos que já não estamos na época do trabalho braçal. Que a criatividade, a observação e a perceção do que as pessoas precisam mas os mercados ainda não oferecem, a capacidade estratégica e outras características semelhantes não estão só disponíveis num escritório em horário de expediente, nem são qualidades que o nascimento de filhos torne deficitárias. Os partidos irão atrás.