Em 2018, 55.013 alunos fizeram o exame nacional de Português. Em 2019, o mesmo exame foi feito por 55.209 alunos. Em 2020, porque apenas foram a exame os alunos que queriam seguir para o ensino superior e para os quais Português era prova específica de acesso, apenas 36.622 alunos fizeram o exame a essa disciplina. Sucedeu o mesmo na generalidade dos exames de outras disciplinas do ensino secundário. Ou seja, só realizaram o exame de cada disciplina alunos com ambição académica (querem seguir para o ensino superior) e motivados (o acesso está dependente em grande medida do resultado do exame).
A somar a isto, devido ao facto de grande parte do ano letivo 2019/2020 ter decorrido em pandemia, a pontuação dos itens dos exames de 2020 foram recalibrados de modo a procurar introduzir mais flexibilidade nos exames dado que as escolas tiveram de tomar opções curriculares importantes e cada escola pôde decidir como entendeu ser mais adequado. Esta opção técnica teve como consequência (esperada) um aumento das notas dos exames em relação a anos anteriores. E este aumento teve como consequência necessária que os exames se tornaram menos discriminativos. Isto é, mais alunos tiveram as notas superiores da escala distinguindo-se, por isso, menos entre si. Estes dois factos marcam uma diferença fundamental entre os rankings publicados este ano e todos os respeitantes a anos anteriores. Porque só fizeram exames os “melhores” alunos e porque a escala discrimina menos os alunos com excelentes resultados, as características pessoais dos alunos têm, necessariamente, um peso muito menor na média de cada escola.
Consequentemente, se, como muitas vezes se tem dito, o que determina a posição da escola no ranking são os alunos que a frequentam, e não o trabalho feito pela escola, este ano a situação relativa das escolas deveria ser bastante diferente dado que os alunos sem aspirações académicas não fizeram exames. Mas não é. A posição relativa das escolas no geral manteve-se. Daqui não pode deixar de se concluir que as escolas fazem toda a diferença. E que há algo que diferencia muito o público do privado e que não é (só) os alunos ou, para efeito de resultados, a sua condição socioeconómica.
Escrevo o que muitos dizem em surdina, mas não ousam gritar em público: a maior desvantagem competitiva das escolas públicas não são os alunos: é o concurso de colocação dos professores. Uma escola não é uma soma de aulas. Já foi. Houve um tempo em que não havia outra alternativa. Mas isso foi há décadas atrás.
Hoje, uma escola só tem sentido se for uma comunidade de profissionais que dão corpo a um projeto educativo. Educar não é o ato de falar; é o ato de mostrar um caminho. O maior instrumento educativo das escolas é a adesão e coerência dos seus docentes com o projeto educativo e a obrigação que cada um assume de contribuir para o colectivo. Isto só se consegue quando a equipa educativa é escolhida pela escola; quando dizer “não faço assim porque não concordo e na minha aula mando eu” não é uma opção.
No ensino privado temos lideranças claras, projetos educativos desejados e escolhidos pelas famílias, um corpo docente alinhado com o projeto educativo da escola (algumas centenárias) e com as suas práticas pedagógicas e métodos de ensino. Esta realidade não é exclusiva das escolas privadas, mas é seguramente uma marca. Julgo que a maior parte dos portugueses não sabe que cada um dos mais de 150.000 professores existentes nas escolas públicas foram colocados na escola por um algoritmo que apenas tem como critério a antiguidade do professor, a sua nota de licenciatura e a lista de escolas que este escolheu. Não há qualquer critério sobre a escola em concreto, os seus projectos, os seus alunos, as suas famílias, as suas necessidades concretas (para lá de precisar de X horas de professor da disciplina Z).
Se uma mente perversa quisesse criar um sistema que impedisse a escola pública de um país de ser bem-sucedida, seguramente propunha às autoridades desse país adotar um sistema de recrutamento e colocação de professores igual ao que vigora para as escolas públicas portuguesas. Houve um momento histórico em que o sistema fazia sentido. Esse tempo já lá vai há muito.