O debate em Portugal é, em geral, excessivamente polarizado. É algo cuja origem não consigo bem entender, mas a que assisto desde a mais tenra idade. Comecei a despertar para esta realidade quando, nos anos 70, ouvia os adultos discutirem política. Um debate não era uma troca de ideias sobre algo; era uma sessão de adjectivação dos argumentos do outro. Se dizes isso “é porque és facho”, se dizes aquilo “é porque és comuna”. Lembro-me destas discussões a propósito dos rankings. Embora esteja a escrever antes de os conhecer, ou de ler o que outros vão escrever a este propósito, será sem surpresa que vamos ter intervenções contra e intervenções a favor dos rankings. E, provavelmente, vai-se dizer que os argumentos a favor o são porque o autor é de direita e os contra o são porque o autor é de esquerda. Parafraseando o que escrevia há uns dias o João Miguel Tavares, Portugal é bom nos extremos mas tem dificuldade no centro. O centro dá muito trabalho e desagrada a muita gente. É uma boa metáfora para as posições sobre os rankings.

Os rankings são uma lista de escolas ordenadas em sentido decrescente da média dos resultados dos seus alunos nos exames nacionais do ensino secundário. Não são bons nem maus; são um facto. Simples, palpável, incontestável. Esta lista ordenada de escolas não é boa nem má. O que é bom ou mau é o uso que fazemos dela. Mas raramente se discute o que não devemos fazer com os rankings e aquilo que não devíamos deixar de fazer.

Aqui começam os problemas. Em primeiro lugar, por razões que me escapam, parte-se do princípio de que exigência e esforço são atributos de uma política educativa de direita e que equidade e justiça social são atributos de uma política educativa de esquerda. Pior ainda, assume-se que exigência, esforço, equidade e justiça social não podem conviver. A partir deste conjunto de equívocos, em vez de se discutir o que podemos aprender com os rankings, atiram-se pedras ou cantam-se loas a uma lista ordenada de escolas. Nesta visão polarizada das coisas, costumo ser encostado à direita pois considero que a exigência e o esforço são ingredientes fundamentais para a aquisição de “conhecimento poderoso” (vale a pena ver a conferência de Michael Young na Gulbenkian). Mas, a verdade é que, para mim, a equidade é um valor fundacional do ato educativo e a justiça social é um objetivo central da ação da escola. Nos anos 70, isto faria de mim um paradoxal “facho comuna”.

Penso que a lista anual de escolas secundárias ordenadas pela média dos alunos pode, se bem utilizada, contribuir para promover uma cultura de esforço e exigência, ao mesmo tempo que promove a equidade e a justiça social.

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Uma metáfora prévia: tal como não faria sentido ter uma tabela classificativa única de todas as equipas de futebol profissional que atuam em Portugal (dividimos as equipas em duas ligas e em campeonatos distritais), não faz sentido olhar para os rankings como uma lista única de escolas. Alguém acredita que as equipas de futebol são todas iguais? Os primeiros 20 classificados da Primeira Liga são mais ricos dos que qualquer dos clubes dos campeonatos distritais. Isto é razão para acabar com o campeonato nacional?

Voltando aos rankings: comecemos por ver como podem promover uma cultura de esforço e exigência. A média da escola é composta pelas notas de todos os seus alunos. É o resultado agregado do esforço de cada aluno. Em cada escola há alunos com mais facilidades e alunos com menos facilidades, mas o resultado agregado é um bom indicador do esforço colectivo. O facto de uma escola de ter melhor média que outras comparáveis ou de progredir no ranking de uns anos para os outros, é um bom indicador do esforço que a comunidade educativa coloca no seu trabalho. Isto é verdade para todas as escolas. Sejam as das grandes cidades, sejam as das periferias. Sejam públicas ou privadas. O facto de os rankings serem públicos cria um incentivo ao trabalho; o facto de os rankings serem públicos permite às direcções definirem objectivos para o futuro; o facto de os rankings serem públicos permite ir ver o que se passa nas escolas que vemos que estão a ter melhores resultados. A existência dos rankings cria algum desassossego no sistema o que, para quem está disponível para melhorar, é muito importante. Mas os rankings podem ser também um poderoso instrumento de equidade e justiça social. Os rankings são o único instrumento público que traz para a luz uma verdade inconveniente: há escolas que não estão a conseguir que os seus alunos aprendam. Os rankings não assacam culpas; apenas tornam indisfarçável a maior fonte de iniquidade e de perpetuação de injustiças sociais – escola onde os desfavorecidos sistematicamente não aprendem não é escola; é prisão.

As abordagens simplistas aos rankings são más para o sistema? São. Mas seria ainda pior não ter esta informação.

Director Executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP) e Professor Auxiliar Convidado na Universidade Católica Portuguesa.