Contrariamente ao que algumas pessoas defendem, o “não é não” foi fundamental. E não é de estranhar que tenha sido um assunto recorrente, referido até à exaustão pela imprensa, e mencionado incansavelmente por André Ventura.
Não obstante eventuais preferências ideológicas, mais ou menos declaradas, a insistência da imprensa deve-se a um cepticismo compreensível: a tibieza e inconstância característica dos políticos portugueses. Não decidir e prometer sem cumprir deu várias vitórias a António Costa. André Ventura segue o mesmo exemplo e promete tudo a todos imediatamente. Algo que dificilmente cumprirá. Para além disso, Ventura fartou-se de falar do “não é não” para tentar disfarçar a sua surpresa. Felizmente, ao fazê-lo, ajudou a consolidar a imagem de Montenegro como um líder decidido.
Na minha opinião, o “não é não” tinha um propósito muito simples – decisão e esclarecimento – e, na altura, foi efectivamente esclarecedor. Não só marcou uma posição inequívoca por parte do PSD, e do seu líder, como também acabou por dar razão àqueles que não confiavam em André Ventura (sim, uma vez que o Chega não passa duma caixa de ressonância do seu líder, o problema é mesmo Ventura).
André Ventura fartou-se de apregoar a importância da passagem do país para a direita e da mais que provável maioria de direita no Parlamento. Mas, tal como disse uma poetisa maior, Florbela Espanca, “palavras são como as cantigas: leva-as o vento”. André Ventura é um mestre trovador da falácia. Só cumpre o que satisfaz o seu interesse próprio. Qual foi a primeira acção do Chega no Parlamento? Arranjou desculpas para não cumprir o combinado. Na prática, ao inviabilizar a eleição de Aguiar Branco, bloqueou o funcionamento da democracia. Já o PSD, ao contrário de Ventura, não faltou à palavra e possibilitou a eleição dos deputados do Chega para os órgãos da Assembleia da República.
Depois, não esquecendo que as palavras de André Ventura sobre a maioria de direita no Parlamento ainda ressoam, o Chega optou conscientemente por ser coligação negativa com o PS. Esta posição, que é uma demonstração de prioridades – os interesses do Chega estão à frente dos interesses do país – também patenteia desconhecimento pela essência da democracia: a procura de consensos. André Ventura age como se a democracia fosse fazer tudo o que ele quer, quando e como quer, sem qualquer diálogo ou cedência para o estabelecimento de compromissos. No fundo, o que Ventura procura são desculpas.
Ora, quer o limbo, quer um ambiente de indefinição, aliado a uma descrença generalizada da população nos partidos mais moderados, só tem ajudado André Ventura. Sempre que é necessário demonstrar como concretizará o que promete, o mestre trovador mete os pés pelas mãos e volta a ser generalista (até já apresentou propostas inconstitucionais).
Dito isto, o tempo requer uma reafirmação do pressuposto do “não é não”. Como? De uma forma paradoxal: acabando ou suspendendo esse mesmo “não é não”. É a melhor maneira de originar mais clarificação.
O PSD devia convidar o Chega para conversações visando um eventual acordo parlamentar que pudesse concretizar a tal maioria de direita. O PSD devia ouvir as propostas do Chega, avaliar a sua substância e fundamentação, e estimar as repercussões das mesmas, quer a nível orçamental, quer a nível das implicações na despesa estrutural do Estado.
As circunstâncias alteraram-se. Já não são as mesmas das eleições. O tempo volta a exigir mais esclarecimento. E os partidos devem responder apropriadamente. O valor intrínseco do “não é não” – esclarecimento – não deve passar a ser entendido como uma teimosia ou perderá toda a sua valia. E a disponibilidade para dialogar permitirá mais e melhor elucidação.
O PSD, ao fazer o convite, mostrará capacidade de adaptação e persistência de missão.
Que tem o PSD a perder se o Chega recusar o convite? E se o aceitar?
Quem ganhará são os portugueses. Quanto mais esclarecidos estiverem, menos dificuldade terão em decidir.