As doenças cérebro-cardiovasculares, incluindo os acidentes vasculares cerebrais (AVC) e doenças coronárias, representam uma das principais causas de mortalidade e morbilidade em Portugal. Apesar dos avanços significativos das últimas décadas, a organização dos serviços de saúde em torno da prevenção, gestão e tratamento destas doenças ainda enfrenta desafios e lacunas consideráveis.

Portugal tem registado melhorias notáveis na mortalidade por doenças cérebro-cardiovasculares, em grande parte devido a uma combinação de melhor acesso a cuidados de saúde, nomeadamente na fase aguda, através da Via Verde AVC e Via Verde Coronária, avanços em técnicas e terapêuticas médicas e aumento da consciencialização pública sobre os fatores de risco. A implementação de programas de reabilitação tem sido eficaz em alguns hospitais, proporcionando aos doentes, não apenas tratamento médico, mas também apoio na recuperação e reintegração na vida diária. Estes programas têm ajudado a reduzir as taxas de readmissão hospitalar e melhorado a qualidade de vida dos utentes.

A carga epidemiológica do AVC em Portugal é muito elevada. Constitui a principal causa de mortalidade em Portugal há muitos anos. A cada hora ocorrem três AVC em Portugal e, dessas pessoas, pelo menos uma morre e outra fica com sequelas. Além disso, 25% das pessoas que sobrevivem com sequelas tem entre 15 e 49 anos, pessoas muito novas e em idade ativa. Perante este impacto social importa definir um percurso assistencial integrado com uma prioridade semelhante à da oncologia, desde a prevenção primária à reabilitação.

A prevenção primária continua a requerer significativo investimento e atenção. Campanhas de saúde pública, conduzidas por profissionais de saúde, onde se incluem os fisioterapeutas, devem ser mais abrangentes e contínuas. Estas campanhas devem focar-se na promoção de estilos de vida saudáveis desde a infância, com ênfase no exercício físico, na avaliação de fatores de risco, na aptidão física e na capacidade funcional, realizada por fisioterapeutas; e na educação sobre nutrição e gestão do stress realizadas por profissionais da especialidade.

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Na fase aguda de internamento hospitalar, ainda há unidades de AVC que não têm fisioterapia, muitas não têm fisioterapeutas dedicados, e a maioria, apenas cinco dias por semana, quando as guidelines mais recentes reforçaram a necessidade de garantir 45 minutos de fisioterapia por dia nos primeiros seis meses.

Na fase de reabilitação pós alta hospitalar, um estudo publicado pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) e liderado pelo fisioterapeuta Pedro Maciel Barbosa, demonstrou que, em Portugal, apenas 30% dos sobreviventes tem acesso a cuidados de reabilitação intensivos, 65% dos sobreviventes não têm acesso a reabilitação multiprofissional, 30% não têm acesso a plano de alta ou transferência entre contextos de cuidados, e 65% não são envolvidos na definição do plano de reabilitação.

Por outro lado, esta equipa de investigação mostrou que atualmente, coexistem, pelo menos, onze percursos alternativos em oito contextos de prestação de reabilitação de AVC diferentes dentro do Serviço Nacional de Saúde (SNS), num sistema fragmentado, complexo e redundante. Além disso, apenas três dos nove itinerários revelaram ser custo-efetivos, ou seja, 66% da rede deve ser revista, de forma a adequar a melhor relação entre qualidade de cuidados, necessidade dos sobreviventes e sustentabilidade futura do SNS.

Na verdade, o AVC tem impacto ao nível da participação funcional e social em tantas funções que, muitas vezes, a recuperação implica meses de reabilitação multiprofissional, e nenhuma unidade garante essa resposta durante todo o tempo necessário. Como tal, é fundamental falarmos de um percurso integrado que permita ao sobrevivente receber o programa mais adequado sem perdas de tempo nem perdas de informação, porque sabemos que os primeiros seis a doze meses são fulcrais na recuperação da pessoa, porque é nesse período que há maior potencial de recuperação.

Atualmente, a coordenação entre cuidados primários, hospitais e serviços de reabilitação é muitas vezes fragmentada, resultando em atrasos e lacunas no tratamento. É essencial estabelecer uma rede de comunicação eficiente que facilite a partilha de informações e um seguimento mais eficaz dos utentes.

Na visão da Ordem dos Fisioterapeutas, é necessário permitir o acesso direto e rápido à fisioterapia, em colaboração com a equipa multidisciplinar, para reduzir os tempos de espera e melhorar os resultados dos tratamentos, como já ocorre em outros países. A implementação de modelos como a “Via Verde à Fisioterapia” ou “Cheque Fisioterapeuta” é urgente. Outro objetivo é aumentar o número de fisioterapeutas nas Unidades Locais de Saúde, especialmente em unidades de AVC, hospitais, centros de saúde e unidades de cuidados continuados ou paliativos, para alinhar Portugal com os rácios europeus de fisioterapeutas por cada 100 mil habitantes.

Deverá ser implementado um programa nacional integrado que aborde todas as fases do cuidado com doenças cérebro-cardiovasculares – desde a prevenção primária até à reabilitação pós-aguda e integração na sociedade, com base numa estratificação de risco e potencial de cronicidade. Como medidas fundamentais, sugerimos prolongar a Via Verde além do hospital, até aos seis meses após AVC, através de circuitos dedicados dentro da Rede de Cuidados Continuados e Centros de Reabilitação, diminuir o número de itinerários disponíveis definindo três-quatro itinerários para diferentes perfis de AVC, aumentando a homogeneidade e promovendo a sua monitorização e melhoria da qualidade. E, ainda, garantir reabilitação intensiva e multiprofissional até três a seis meses a cerca de 70% dos utentes.

Este programa deve incluir simultaneamente: a) Educação e consciencialização, aumentando a oferta de programas educativos nas escolas e comunidades; b) Acesso igualitário a cuidados, garantindo que todos os utentes, independentemente da localização ou condição socioeconómica, tenham acesso a cuidados de saúde de qualidade, incluindo fisioterapia.

A luta contra as doenças cérebro-cardiovasculares em Portugal exige uma abordagem multifacetada e integrada. A prevenção, gestão e tratamento destas condições podem ser significativamente melhorados com políticas públicas eficazes, investimento em tecnologia e uma rede de cuidados de saúde bem coordenada. A fisioterapia deve ser valorizada como uma componente essencial na reabilitação, promovendo a recuperação funcional e a qualidade de vida dos pacientes. Implementar estas mudanças, não só salvará vidas, mas também melhorará o bem-estar e qualidade de vida da população em geral.

António Lopes é fisioterapeuta com título de Especialista, licenciado em Psicologia Educacional, mestre em Ciências da Educação e professor coordenador na Escola Superior de Saúde do Alcoitão. Fundador da Comissão Reformuladora da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas, é Bastonário da Ordem dos Fisioterapeutas desde 2021.

Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.

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