Sem nos apercebermos desde 2020 saltitamos de crise em crise.
A Covid, a guerra na Ucrânia, a emergência do aquecimento global, os testes nucleares, o conflito israelo-palestiniano, pintam uma neblina de medo que tem sido o pano de fundo dos últimos anos.
A somar a isto, já não temos simplesmente mau tempo e chuva mas “depressões em fase de cavamento” e “rios atmosféricos” (ipma.pt).
E o que faz o medo? Anestesia o cidadão.
De acordo com o Governo, a culpa é de todos e do tempo só não podemos questionar quem nos governa. E, enquanto o Primeiro Ministro sacode a água do capote, a deterioração do País continua a acelerar a passo largo.
Os problemas na educação, na justiça, nos transportes, na saúde agudizam. Chegados a Novembro, o número de greves em 2023 aproxima-se do valor mais elevado registado desde 2013 (dgert.pt).
Em 2023, Portugal tem 1.606.510 estudantes matriculados no ensino público, 126 mil acções cíveis pendentes nos tribunais, 868.211 pessoas que usam transportes públicos para se deslocarem.
Faço referência ao número de cidadãos afectados pelas greves para nos ajudar a pôr em perspectiva o número cada vez maior de imigrantes. 1,1 milhões de estrangeiros vivem em Portugal e representam 10,7% da população (OCDE, 2023). Por medo, fraco domínio da língua portuguesa e do conhecimento direitos e dos deveres, são cidadãos com menor visibilidade e com menos capacidade para expor a falência dos serviços migratórios no nosso país.
No dia 29 de Outubro, três anos depois da primeira Resolução de Conselho de Ministros que definiu a reforma do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (anunciada no seguimento da morte de Ihor Homeniuk), foram publicados os estatutos da Agência para a Integração Migrações e Asilo (“AIMA”) e foi aprovada a Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros (“UCFE”). Passando a existir uma separação do exercício das funções policiais das funções administrativas.
A AIMA fica com a responsabilidade de regularizar a entrada e permanência de estrangeiros, conceder as autorizações de residência e os pedidos de asilo, passando também a coordenar os temas de racismo e discriminação, integração, promoção do diálogo intercultural e inter-religioso, ficando com as competências do Alto Comissariado para as Migrações.
A UCFE tem uma natureza de “multiagência, de vocação para o controlo de fronteiras, mas de índole não operacional”, fica “responsável pela coordenação da atuação das forças e serviços de segurança da Polícia Judiciária (inspecção e controlo do auxílio à imigração ilegal), da GNR (fronteiras terrestres e marítimas) e da PSP (fronteiras aéreas) em articulação com o Instituto dos Registos e Notariado (responsável pela emissão dos passaportes e renovações dos títulos de residência) e a AIMA. Nenhum outro Estado Membro no FRONTEX tem o controlo de fronteiras esquartejado desta forma.
Sucede que, ao contrário do SEF, a UCFE não é um órgão de polícia criminal. Esta Unidade está sob alçada do Sistema de Segurança Interna que responde ao gabinete do Primeiro Ministro com acesso “bases de dados e sistemas de informação em matéria de fronteiras e estrangeiros que contenham informação de natureza policial e de cooperação policial internacional, procedendo igualmente à atribuição e definição dos acessos à informação neles constante”, para garantir “aplicação uniforme das normas técnicas e procedimentos”.
Feito o enquadramento, foi escolhido um Domingo, dia 29 de Outubro, para a entrada em funcionamento de sete instituições para substituir uma. A AIMA inicia funções com um total de 347 mil processos pendentes.
Chegados a segunda-feira, o sistema não funcionava. Três anos para fazer a transição e os sites de consulta dos processos estavam “em baixo”. As renovações dos títulos de residência, que passaram para o IRN, foram adiadas para Dezembro porque “o sistema não permite efectuar o serviço”. Os cidadãos europeus também estão impossibilitados de se registar no sistema “CRUE” porque os serviços “não têm instruções” para avançar. O dito sistema também não permite pagar taxas ao Governo de forma a serem emitidos os títulos de residência.
São vidas que ficam em suspenso. Um cidadão estrangeiro não pode viajar sem um título de residência. Resultado: trabalho adiado, negócios por concluir, famílias que não se reúnem num funeral, etc. O Governo teve três anos para fazer uma reforma e não foi capaz de a concluir de forma a estar em pleno funcionamento no dia definido pelo próprio Governo.
Não se percebe qual a prioridade do governo. Questiono se o Governo sabe o que priorizar? Na Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros trocam a ordem das palavras e colocam fronteiras à frente dos estrangeiros, dando eventualmente a entender que se prioriza a vertente securitária. Por sua vez, na Agência para a Integração Migrações e Asilo, privilegiam a integração dos estrangeiros face ao movimento migratório.
Os funcionários da AIMA entre o aflito e o pasmado sempre que questionados pelos utentes sobre quando volta a funcionar o sistema, respondem que estão a passar por um “período de nevoeiro”.
Quando se comenta negativamente o aumento dos estrangeiros que vive em Portugal é porque não se analisam os factos. Portugal é o país da União Europeia que está a envelhecer mais depressa. Considerando que uma política de promoção de natalidade demora mais de 20 anos a ter impacto, e que o índice de envelhecimento idosos por 100 jovens passou dos 128 em 2011 para os 182 em 2021 (Censos) a imigração é a única resposta para a sustentabilidade do país.
Os últimos dados estatísticos com a informação agregada sobre as contribuições fiscais e para a segurança social são de 2021 e confirmam que os estrangeiros mostram maior capacidade contributiva que os nacionais para o sistema de segurança social, representaram 10,1% do total de contribuintes do sistema de segurança social de Portugal, sendo que em 2021 eram 6,8% da população residente e hoje são 10,7%.
O papel dos estrangeiros no nosso país é da máxima importância, mas a resposta dos serviços públicos continua uma manhã cinzenta.