Irei regressar a Oxford dentro de poucos dias para uma visita académica de oito semanas de que conto poder ir dando conta aos leitores desta coluna. Trata-se do início de um projecto de investigação sobre a obra e a vida de Ralf Dahrendorf e o seu impacto e significado na vida intelectual e política euro-atlântica.

Ralf Dahrendorf (1929-2009) foi o orientador do meu doutoramento em Oxford, de 1990 a 1994, e permaneceu depois meu muito amável amigo e orientador. A minha investigação não poderá deixar de ter como ponto de partida essa decisiva (para mim) experiência pessoal. Mas esse será apenas o ponto de partida.

Conto começar recordando o livro que Dahrendorf publicou poucas semanas após a minha chegada a Oxford em Agosto de 1990: Reflections on the Revolution in Europe: In a letter intended to have been sent to a gentleman in Warsaw (New York: Random House, 1990). Este foi um livro tremendamente influente que foi traduzido em várias línguas na Europa (incluindo em Portugal, pela Gradiva, em 1993) e no mundo.

A obra inspirou profundamente a disposição intelectual e política que conduziu às exitosas transições pacíficas à democracia na Europa Central e de Leste após a queda do Muro de Berlim em 1989. O seu argumento combinava pelo menos dois elementos cruciais que, no início daquela época memorável, raramente apareciam juntos nos discursos públicos sobre as transições à democracia: uma profunda defesa da democracia liberal contra o comunismo e, por esta mesma razão, um profundo cepticismo sobre “Revoluções” (especialmente quando escritas com R maiúsculo).

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Este duplo comprometimento com a democracia liberal e o cepticismo acerca de “Revoluções” leva-nos a revisitar uma antiga tradição do pensamento político ocidental que inclui Edmund Burke como referência crucial, bem como Karl Popper – ambos amplamente citados por Dahrendorf. Karl Popper, aliás, foi professor de Dahrendorf no seu doutoramento na London School of Economics a seguir à II Guerra – cerca de trinta anos antes de Dahrendorf vir a ser Reitor da LSE (1974-1984). [Mais tarde, 1987-1997, viria a ser Director (Warden) do St. Antony’s College, Oxford, já como Sir Ralf (1982), depois como Lord Dahrendorf (1993); tendo antes tido várias responsabilidades parlamentares e governativas na Alemanha (ocidental, naquela época), seu país de origem, chegando a ser Comissário Europeu (1970-1974).

Creio também que aquele duplo comprometimento com a democracia liberal e o cepticismo acerca de “Revoluções” poderá constituir um excelente ponto de partida para passar em revista a obra de Dahrendorf (nada menos do que 36 livros são habitualmente registados).

E acredito que possa ser também um excelente ponto de partida para uma avaliação crítica da presente atmosfera intelectual e política na Europa e na América – onde populismos revolucionários, de esquerda radical e de direita radical, voltam estranhamente a emergir e a pregar a desconfiança na democracia liberal, bem como, em inúmeros casos, no próprio Ocidente.